
Procuradoria Especial da Mulher foi denominada jornalista Vanessa Ricarte – Foto: Divulgação
Campo Grande (MS) – Em meio a uma agenda de ações direcionadas à prevenção e ao enfrentamento da violência contra mulheres no Mato Grosso do Sul, a Câmara Municipal de Campo Grande realizou, na manhã desta quarta-feira (19), uma roda de conversa com suas servidoras no intuito de esclarecer situações típicas de assédio moral e sexual no ambiente do trabalho, fomentar práticas de gestão baseadas no respeito mútuo, além de estimular a construção de culturas internas de suporte e acolhimento às vítimas.
Sediado no Plenário Oliva Enciso, o evento contou exposições feitas pela procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) no estado, Cândice Gabriela Arosio, e pela professora no curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), doutora Ynes Félix da Silva.

Procuradora-chefe Cândice Gabriela Arosio – Foto: Divulgação
Em sua abordagem do tema, Cândice Gabriela Arosio ilustrou episódios comuns envolvendo condutas que caracterizam o assédio moral nas relações entre supervisores e subordinados, como atribuição de erros imaginários, imposição injustificada de horários, circulação de calúnias sobre a pessoa, isolamento, apelidos depreciativos, pedidos de serviços urgentes sem a devida necessidade, sobrecarrega da vítima com novas tarefas, constante ameaça com demissão, entre outras atitudes que interferem na liberdade, na dignidade e nos direitos de personalidade.
“Infelizmente, nós verificamos que esses dois problemas, o assédio moral e sexual, são fenômenos que sempre estiveram presentes nas relações de produção subordinadas. Por isso, nós defendemos que a principal coisa a ser feita é conversar a respeito dessa temática, sensibilizar as equipes e suas lideranças para que, a partir do conhecimento de suas definições, possamos ter um ambiente preventivo onde não ocorram essas irregularidades”, afirmou.
Arosio sustentou ser importante analisar a perspectiva de assédios no ambiente do trabalho considerando a influência de recortes como gênero e raça, o que torna necessário um olhar transversal sobre as diversas experiências pessoais decorrentes da sobreposição desses fatores. Ela também expôs condutas que não configuram assédio moral e são lícitas – como os poderes rescisório e disciplinar, além de comentar as ramificações legais e as consequências jurídicas aplicadas aos assediadores.
Segundo a especialista na área, a origem do problema, muitas vezes, está associada às lacunas de governança nas empresas, que podem legitimar um ambiente permissivo de atos lesivos, sem que ocorra a devida investigação e sanção adequada, bem como algum tipo de reparação. “A existência de apoio e a qualidade do acolhimento recebido pela vítima, seja na organização ou por meio de uma rede externa, influencia a extensão e a gravidade das consequências suportadas por aquela”, complementou Cândice Arosio.
Outro aspecto levantado pela dirigente do MPT-MS foi a necessidade de uma mudança cultural nas instituições. Conforme Arosio, a prevenção aos assédios moral e sexual passa pela conscientização e pelo comprometimento de todos os níveis da organização.
Canais de denúncia
Toda pessoa que for vítima ou presenciar cenários que possam configurar assédio moral ou sexual no trabalho pode denunciar ao MPT. Para isso, basta acessar o link www.prt24.mpt.mp.br/servicos/denuncias. As comunicações ainda podem ser feitas por meio do aplicativo MPT Pardal, acessível nos sistemas operacionais Android e iOS.
A procuradora-chefe do MPT-MS citou outros canais disponíveis para a formalização de denúncias, como as ouvidorias criadas por empresas, os sindicatos ou associações, as gerências do serviço de Inspeção do Trabalho, os Centros de Referência de Saúde do Trabalhador, além da assistência jurídica de advogados para fins de um eventual ajuizamento de ação trabalhista.
A legislação brasileira tipifica o assédio sexual como crime e penaliza o assediador com até dois anos de detenção, podendo aumentar em até um terço se a vítima for menor de 18 anos. Já o assédio moral ainda não é crime, apenas uma irregularidade trabalhista, mas existem tipos penais nos quais essa modalidade pode se encaixar como, por exemplo, crimes contra a honra ou contra a liberdade individual.
Tratado internacional

Professora Ynes Félix da Silva – Foto: Divulgação
Convidada para explanar o tema, Ynes Félix da Silva, professora de Direito na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), tratou da aplicação da Convenção nº 190, o primeiro tratado internacional sobre violência e assédio no mundo do trabalho, incluindo a violência de gênero. Editada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com vigência a partir de 25 de junho de 2021, a norma ainda aguarda sua ratificação pelo Brasil e posterior incorporação no ordenamento jurídico do país.
“Embora já tivéssemos outras convenções pensando em valorizar o ambiente do trabalho e torná-lo seguro e livre de qualquer prática violadora, a OIT trouxe uma legislação específica para definir o que é o assédio moral e sexual no trabalho. Antes dessa convenção, entendia-se que precisavam ser prática reiteradas, a repetição de atos de violação, mas a convenção disse que não. Um ato único já caracteriza a violência e o assédio e isso foi muito importante”, disse a docente. Ela acrescentou que a convenção também equipara a violência e o assédio no universo laboral, os quais “visam, resultam ou podem resultar em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos”. O tratado internacional aplica-se a todos os setores, sejam públicos ou privados, nas economias formal e informal, e em áreas urbanas ou rurais.
De 2020 a 2023, a Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, julgou 419.342 ações envolvendo assédio moral e assédio sexual. Nesse período, o volume de processos apreciados sobre assédio sexual cresceu 44,8% e os de assédio moral aumentaram 5%.

Vereadora Luiza Ribeiro – Foto: Divulgação
Enquanto idealizadora do diálogo, a procuradora especial da Mulher naquela Casa de Leis, vereadora Luiza Ribeiro, destacou que esse momento pretende aprofundar dentro da Câmara as reflexões acerca da pauta. “Há exigência, através de uma política nacional, para que a gente previna e combata, quando ocorrer, o assédio moral ou assédio sexual no trabalho. Então, nós temos que estar preparados para enfrentar isso. Vamos criar uma Câmara de Vereadores livre de violência e livre de qualquer assédio”, enfatizou.
Durante o evento foi entregue às servidoras uma cartilha elaborada pelo MPT versando sobre assédio moral, com orientações importantes para prevenir e reforçar as boas práticas entre os servidores e as servidoras da Casa de Leis.
Homenagem à jornalista Vanessa Ricarte
Na última segunda-feira (17) e por meio da Lei nº 7.384/25, a Procuradoria Especial da Mulher, da Câmara Municipal de Campo Grande, recebeu a denominação de Jornalista Vanessa Ricarte, vítima de feminicídio no dia 12 de fevereiro deste ano. O trágico episódio gerou grande comoção nacional e trouxe à tona a necessidade de aperfeiçoar a rede de proteção às mulheres.
Vanessa Ricarte exercia o cargo de chefia da Assessoria de Comunicação Social do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul. Ela foi morta a facadas depois ter pedido medida protetiva contra o autor, Caio Nascimento, que já tinha vários registros anteriores de violência doméstica na Polícia Civil do estado.
Fonte: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul