Decrescimento Demográfico, um objetivo conquistado?

Flávio Crepaldi – Foto: Arquivo Pessoal

Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, diz que “um dos efeitos do medo é obscurecer os sentidos, e fazer com que as coisas pareçam ser diferentes do que realmente são.” No entanto, pode-se concluir pelo próprio episódio do livro, que o excesso de certeza tem o mesmo efeito. Afinal, Dom Quixote dizia que o medo impedia Sancho Pança de enxergar o exército inimigo, enquanto o servo via que, pelo contrário, era a certeza do mestre que o impelia a atacar insensatamente carneiros e ovelhas.

O mito da “explosão populacional” sobreviveu ao século XX e permanece firmemente alicerçado nestes dois baluartes: o medo e a certeza. A divulgação da publicação da ONU, “Perspectivas Mundiais de População 2019: Destaques” (disponível em https://population.un.org/wpp/), é insistente: o mundo terá quase 10 bilhões de pessoas em 2050!

Essa projeção de que um exército humano congestionará o mundo, continuará a espalhar a insegurança. Gera-se um medo (e uma certeza) que ofuscam gravemente a percepção do resto do documento. A saber: desde 2010 já são 27 os países ou áreas que perderam população, em vez de crescer, e até 2050 a estimativa é de que 55 países conviverão com o decrescimento demográfico.

Sobre o Brasil, os gráficos apontam que, pouco depois do ano 2000, o país caiu abaixo da linha de 2,1 filhos por mulher. Isso quer dizer que a taxa populacional não permanecerá estável, pois não existem nascimentos suficientes para que a população continue inalterada. Aqui, portanto, e em outros 54 países pelo menos, o “exército” de gente não passará de uma miragem provocada pelos “carneiros e ovelhas” das projeções.

Esse “inverno demográfico”, como nomeou o Papa Francisco, foi também gerado por um medo e uma certeza. O medo/certeza de se perder um certo bem-estar social ao se abrir para a geração de filhos, “pois é necessário comprar uma casa, fazer uma viagem, estou bem assim” exemplificou tão coloquialmente o Papa em sua viagem a Moçambique. Sim, ter um filho, é assumir vários riscos. Mas, ter mais de dois (os 2,1 dos demógrafos) é certamente, pavorosamente, impensável. Como vimos, a certeza, assim como o pavor, fazem ver coisas que não existem ou, se existem, não são bem como aparentam ser.

No entanto, um é o engano gerado pelo exagero dos sentidos. Outro, completamente diferente, é aquele racionalmente e deliberadamente provocado. Quando se travestem carneiros e ovelhas como invencíveis guerreiros, escolhe-se provocar o medo e incutir falsas certezas. Um estudo de “Crescimento Populacional Zero: a meta e os meios”, publicado em 1973 por Kingsley Davis, antecedido de seu artigo na revista Science de 1967, “Política Populacional: os programas atuais terão sucesso?”, revela direcionamentos (meios) bem claros para se provocar o declínio da população (meta).

Entram em cena, como meios, a luta exaustiva até a liberação do aborto, a criação da percepção de que um maior número de filhos é prejudicial para a mulher e para os próprios filhos; a modificação na estrutura familiar rompendo a percepção da complementaridade homem-mulher; o compelir as mulheres cada vez mais para o mercado de trabalho, afastando-as do desejo do matrimônio e da geração de filhos; o adiamento do casamento para além da idade fértil das mulheres por motivos econômicos; e o promover maiores recompensas financeiras para pessoas solteiras e sem filhos.

Mais de 45 anos depois, as propostas de Davis, aparentemente impraticáveis na sociedade da época, são atuais como o Dom Quixote de Cervantes. Os números dos sucessivos relatórios da ONU e a aguçada percepção do Papa Francisco revelam, no entanto, que não são carneiros e ovelhas que estão no campo. Um exército se levantou. E, se a conquista está consolidada, o que virá depois?

* Flávio Crepaldi é colaborador da Fundação João Paulo II e colunista do Canal Formação, no Portal: cancaonova.com

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