Dia da Amiloidose Hereditária marca dificuldade de acesso a novas terapias

Pacientes seguem desassistidos, sem terapias eficientes para estágios mais avançados da doença

São Paulo (SP) – O mês de junho marca o comprometimento de associações de pacientes, cuidadores e profissionais da saúde na busca de uma melhor qualidade de vida para quem tem amiloidose hereditária. Em 2021, essa data revela também os entraves burocráticos que estão bloqueando o acesso dos pacientes de amiloidose hereditária associada à transtirretina a terapias inovadoras e adequadas para os diferentes estágios da doença.

A amiloidose hereditária associada à transtirretina é uma doença rara genética, degenerativa e progressiva causada por uma alteração no gene TTR, levando à formação de fibrilas anormais da proteína que se depositam nos órgãos na forma de amiloide. Essas fibras insolúveis, ao se aglomerarem no tecido extracelular de vários órgãos, comprometem suas funções. No sistema nervoso periférico causam perda de sensibilidade, fraqueza e atrofia. Se não tratada corretamente, pode levar à morte em até 10 anos, após o início dos sintomas, sendo menos de cinco para os que possuem acometimento cardíaco.

Os atrasos na aprovação e na distribuição de medicamentos para doenças raras colocam em risco a vida de pacientes que aguardam o processo para começarem seus tratamentos. Há casos em que a doença já está em outro estágio, exigindo uma nova terapia, enquanto a primeira ainda não foi disponibilizada.

Para ter acesso a um novo medicamento ou tratamento existe um processo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que deveria levar até 180 dias. Tudo começa com o registro sanitário na Anvisa, depois a definição de valores na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), para posteriormente ser possível solicitar a incorporação do medicamento para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (SUS) e, caso utilize a rede privada, ainda solicitar a inclusão no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ainda que a pandemia de Covid-19 tenha sido prioridade para órgãos reguladores no último ano, os atrasos na aprovação de tratamentos inovadores já eram registrados anteriormente.

“Hoje em dia, somente cerca de 6% das mais de 8 mil doenças raras possuem um ou mais tratamentos medicamentosos que realmente mudam o curso natural da enfermidade. Contar com um arsenal terapêutico é fundamental para controlar a progressão, independentemente do estágio em que o paciente esteja proporcionando mais tempo e qualidade de vida às pessoas com doenças raras”, explica Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras.

Atualmente, existe apenas um tratamento incorporado no SUS para amiloidose hereditária associada à transtirretina, indicado para o primeiro estágio da doença. Em caso de falha terapêutica ou de progressão da enfermidade para o estágio II, os pacientes ficam desassistidos. Um novo medicamento, que atende às necessidades dessas pessoas, aguarda a definição de preço pela CMED há mais de um ano. Tendo em vista que a expectativa de vida dos pacientes com amiloidose hereditária associada à transtirretina é de até 10 anos após o diagnóstico, 10% já foi perdido nesse processo.

A demora para disponibilizar o novo tratamento ocorre devido a avaliações técnicas equivocadas na categorização de novas terapias pela CMED, que conduz todo o processo de acordo com a Resolução CMED Nº 2, de 5/3/2004. O órgão utilizou como base comparativa o preço de um medicamento já aprovado no país, considerando apenas a indicação de acordo com o estágio da doença, não incluindo os avanços tecnológicos envolvidos no seu desenvolvimento.

“A CMED entendeu que, como já há um tratamento incorporado para o tratamento da amiloidose, os novos medicamentos entram como concorrentes e, portanto, o preço estabelecido para os novos medicamentos seria menor. No entanto, nós sabemos que são tecnologias diferentes e custos diferentes também”, explica o deputado federal Diego Garcia (Pode – PR), durante live realizada em 16 de dezembro com o Instituto Vidas Raras.

É o caso de Sarifa do Socorro Silva dos Santos e Santos, de 61 anos. “Pelo o que a doutora disse, esse novo medicamento é melhor do que o que eu uso, tem uma ação mais eficaz. Para [ter acesso a] essa outra medicação, eu já fiz a entrevista com a pessoa responsável, dia 13 de dezembro [2020]”, conta.

Com o impasse, a vida de centenas de pacientes em estágio II de amiloidose hereditária associada à transtirretina está em risco. “Alguns já perderam a janela clínica para o medicamento disponível e precisam ser inseridos nessa segunda fase de tratamento, que são duas novas tecnologias que estão sendo condicionadas a uma regulação que não é específica para elas”, revela Amira.

O administrador de empresa Chen Cheng, de 66 anos, já teve acesso ao medicamento para a segunda fase da doença. Sua jornada até conseguir iniciar o tratamento durou 15 anos e só terminou após entrar com um processo judicial contra seu plano de saúde. “Se eu tivesse começado a tomar desse medicamento antes, eu estaria bem melhor. Não teria chegado ao nível que eu cheguei. Hoje, para ir para rua, uso cadeira de rodas. Dentro de casa tento usar o andador. Mas, vamos supor que eu tivesse essa medicação dois ou três anos atrás, eu ainda estaria de bengala. Não estaria nesse nível que eu cheguei. Hoje, eu dependo totalmente da minha esposa. Ela que me veste, que me seca no banho. A doença avança na velocidade da luz e a burocracia caminha lentamente”, critica Cheng.

Petição para ter acesso a novas terapias

A Associação de Brasileira de Paramiloidose (ABPAR), em parceria com o Instituto Vidas Raras (IVR), busca por 1 milhão de assinaturas em petição online, para que a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) reveja a classificação e a precificação de novas terapias.

“Não se pode comparar um novo tratamento a um já aprovado, considerando apenas a indicação de acordo com o estágio da doença, mas desconsiderando os avanços tecnológicos envolvidos no seu desenvolvimento. A análise equivocada mata”, afirma Liana Ferronato, presidente da ABPAR. “Os critérios de avaliação precisam ser revistos com urgência. Estamos vendo a vida dos pacientes se esvair com o passar dos dias e meses. Não temos mais tempo para esperar”, finaliza.

Para saber mais sobre a doença, https://www.abpar.org.br.

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