Digitalização do ensino evidencia abismo estrutural entre o privado e público

As medidas de distanciamento social trouxeram profundas revisões sobre a forma como o ensino acontece no mundo inteiro. No Brasil, país marcado pelas desigualdades, as mudanças são ainda mais percebidas, porém, de formas diversas e com impactos ainda imprevistos. Para minimizar os atrasos e tentar salvar o ano letivo, professores e estudantes têm adotado tecnologias educacionais na quarentena.

De um lado, as escolas particulares, com professores qualificados e infraestrutura adequada, vivem uma aceleração do processo de transformação digital. Se antes uma das críticas mais comuns era voltada à falta de mudanças em sala de aula, agora o cenário tem se transformado. Os alunos dessas escolas acessam conteúdos em casa, tiram dúvidas rapidamente e utilizam recursos de apoio, como acesso privilegiado a internet, com ótima conexão, que enriquecem a experiência de aprendizado.

Segundo a pesquisa “Educação Básica e a pandemia da Covid-19”, realizada pela ABED, os alunos do ensino e fundamental têm presença acima de 75% nas aulas e atividades on-line durante a quarentena, sendo que os pais desses estudantes estão satisfeitos com a metodologia aplicada. Nesse contexto, o desafio é fazer adaptações comportamentais, principalmente, levando em consideração as alterações das opções de controle.

Por outro lado, nas comunidades mais carentes, a educação on-line muitas vezes tem se restringido a uma comunicação precária por meio de grupos de WhatsApp. Muitas vezes, o conteúdo transmitido são apenas fotos dos livros didáticos que seriam utilizados em sala de aula. O resultado disso é a quantidade de fotos que acabam perdidas em função da falta de espaço para armazenamento nos celulares – naturalmente menos sofisticados – e a comunicação, que acaba penalizada por conta de conexões lentas com a Internet.

Essa ideia é reforçada pela pesquisa “Trabalho Docente em Tempos de Pandemia”, feita recentemente pelo Gestrado (UFMG) e a CNTE. O estudo, realizado com 15,6 mil docentes do país, da educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos, indica que 80% dos professores acreditam que a principal dificuldade dos estudantes é a falta de acesso à internet e computadores. Além disso, 89% dos educadores não tinha experiência anterior à pandemia para dar aulas remotas e outros 42% seguem sem treinamento.

Neste contexto, não se pode culpar os professores de comunidades menos abastadas ou da rede pública de ensino pelo uso inadequado da tecnologia, tampouco pela carência de método. Eles “fazem o que podem”. Nos últimos meses, passamos a reconhecer na comunidade médica heróis do mundo real. Porém, vale reconhecer também o heroísmo dos professores que, mesmo sem treinamento e tempo necessário de adaptação, fazem o “impossível” para que este ano não seja perdido àqueles que representam a esperança para o futuro do nosso país.

Como usar a tecnologia a favor da educação

Nos últimos anos, empresas como a Google e o Netflix têm mostrado ao mundo que é possível fazer streaming de qualidade, utilizando menos recursos computacionais “na ponta”, desde que sejam feitos investimentos corretos nos servidores. Nesta linha, é urgente que se determine padrões e protocolos em programas institucionais, orquestrados pelos governos, que visem garantir a utilização mais adequada da tecnologia de forma a dar condições mínimas de “competição” entre as pessoas das diversas classes. Há muitas plataformas de ensino de idiomas, negócios, entre outras, que fazem isso há tempos. Cabe, nesse período intensivo de transformações, a reflexão e a ação para democratizar esses tipos de recursos. Contudo, é importante que saibamos que já existe tecnologia para viabilizar experiência de aprendizagem digital mais equânime, bastando apenas organização e vontade para fazer o uso correto dela.

A diferença entre as condições de aprendizagem, principalmente destacadas pela distância econômica e não social, evidenciam ainda mais a desigualdade. Se ter acesso à educação é um direito, parece que estamos apenas tendo a oportunidade de brigar por ela, mas, ainda bem longe de assegurar que todos de fato a tenham.

O mundo não para e as novidades não cessam. No próximo ENEM, teremos a primeira experiência de alunos examinados em ambiente virtual, ou seja, longe da caneta e papel corriqueiros. Trata-se de um avanço importante, pois trará agilidade para as correções, reduzirá riscos de fraude, além de oferecer todas as vantagens que o ambiente digital traz. As salas de aula serão substituídas por laboratórios. Em vez dos materiais tradicionais, o instrumento passará a ser computadores. Sem dúvidas, algo muito mais “em dia” com a realidade na qual os alunos irão se deparar na vida profissional. Este avanço, entretanto, não é suficiente para suplantar as dificuldades provenientes da desigualdade social, porém, não é um equívoco.

O futuro da educação é cada vez mais digital. Seja para acelerar o aprendizado e potencializar as habilidades inatas ou para avaliar candidatos em concursos. Escolas e demais instituições devem estar atentas para conduzirem essa transformação. Aos pais e aos alunos, cabe a responsabilidade de colaborar. Aos governos, finalmente, espera-se a responsabilidade de orquestrar o processo e fazer o que for preciso para que a transformação digital não seja de poucos, mas de todos.

*Elemar Júnior, CEO da ExímiaCo

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