Dona Marisa Letícia –- a “galega” que cativou, 43 anos atrás, o coração solitário do retirante de alma peregrina que se tornou o maior estadista brasileiro dos últimos 50 anos –- personifica a alma guerreira da mulher brasileira. Empregada doméstica aos 9 anos e operária da indústria da alimentação a partir dos 13 anos, deu-se o gosto de trabalhar por alguns anos como servidora da educação, já que não pôde realizar o sonho de ser professora, postergado pela maternidade e viuvez precoce. Assim como Lula, que ficou viúvo de sua companheira grávida, Marisa perdeu o primeiro companheiro quando estava grávida de seu primeiro filho.
História de vida como de tanto(a)s brasileiro(a)s anônimo(a)s que produzem a riqueza de uma das sete maiores economias do mundo e cujas elites, desde os tempos coloniais, jamais se preocuparam com seu verdadeiro drama: viver sem direitos, trabalhar como escravo(a)s, morar precariamente, sonhar com os estudos, adoecer para morrer (tanto que o casal conheceu a viuvez precocemente, porque trabalhador/a ia para o INAMPS ou INPS e sua sobrevivência dependia da sorte de encontrar algum/a profissional sério/a, a bem da verdade não muito diferente de hoje).
Ao contrário da lenda cafajeste de que Lula teria pedido para amputar o dedo a fim de se aposentar, Marisa e o único presidente a eleger e reeleger sua candidata (a primeira mulher a presidir um país de machistas, inclusive mulheres machistas), desde os tempos em que se conheceram, faziam horas-extras para melhorar sua renda. Assim como o sindicalista ranheta como era caricaturado, a querida “galega” era altiva e cheia de valores para (jamais) pedir vantagens aos chefes e patrões. Nos primórdios do Partido dos Trabalhadores, foi ela que confeccionou a primeira bandeira, tudo da cabeça dela, envolvida como estava com os propósitos do primeiro (e único até hoje) partido a nascer das massas trabalhadoras do Brasil.
Por isso, o casal fez a diferença na presidência da República. Simplesmente porque foram diferentes de todos os antecessores. Seu comportamento, espontâneo, desestabilizava o embolorado protocolo, tão bizarro quanto a conduta das elites que o impuseram ainda nos tempos da corte imperial, caduca e hipócrita. O raro senso de oportunidade de Marisa impediu a protelação sistemática de conquistas sociais e econômicas já no primeiro mandato. (Por favor, não confundir senso de oportunidade com o oportunismo atávico da burguesia meliante brasileira, aquela que “faz qualquer negócio”, inclusive a barganha, a propina, a cooptação e a corrupção que começam a vir à tona por meio das delações dos corruptores, pelos esquemas anteriores a 2003, ano da posse de Lula.)
Daí a identificação do povo e o ressentimento transformado em ódio pela chamada classe mé(r)dia, que, a rigor, é uma ficção, pois não passa de um extrato de classe, eivado de pretensões e preconceitos e destituído de identidade: projeta-se, ilusoriamente, nas aspirações dos poderosos e seus agregados, popularmente definidos como aqueles que “comem farofa e arrotam caviar”. O pior é que as políticas distributivas, compensatórias e de inclusão foram as responsáveis por “inchar” a tal classe mé(r)dia, cooptada a partir da incessante campanha da mí(r)dia e dos grupos de mercenários autodenominados de “movimentos”, como o “Tchau Querida”, o “Vem Prá Rua” e o “Movimento Brasil Livre”. A propósito, onde estão agora? Nos gabinetes de Brasília, São Paulo (governo e prefeitura), Porto Alegre, Rio de Janeiro etc.
Ao reconhecer publicamente meu erro de avaliação, durante a luta contra a ditadura, e ficar ao lado de traidores como Roberto Freire, Alberto Goldman e Augusto Carvalho (é só ver de qual lado eles estão no atual contexto político), perdi a oportunidade histórica de conhecer mais de perto pessoas de uma grandeza humana ímpar. Em 1980, ao participar do Primeiro de Maio Unificado, pude ver a aguerrida atriz, depois deputada do PT, Bete Mendes em Campo Grande. Mas nunca tive a honra de estar perto de Dona Marisa Letícia, lamentavelmente. Lula mesmo, fui conhecer, lado a lado, em 1998, em Corumbá, quando o saudoso Bispo Diocesano Dom José Alves da Costa me deu a honra de acompanhá-lo a um encontro de quase duas horas, em sua residência. Ele aceitara o convite por ser coordenador-geral do Pacto Pela Cidadania (o Movimento Viva Corumbá), e graças à sua gentil atenção, fui a única testemunha do encontro, com a obrigação de participar da conversa, de alto nível.
E, confesso, foi ao conhecê-lo pessoalmente que me convenci de que ele é o melhor representante do sacrificado povo brasileiro. Em todos os sentidos: na sinceridade, fluência e espontaneidade (quando entregamos um documento protocolar do Pacto Pela Cidadania, Lula com a desenvoltura de sindicalista que lhe é peculiar esqueceu-se de que era o candidato à presidência da República e nos orientou como encaminhar tais reivindicações junto às autoridades constituídas, com a maior sinceridade: “Devem entregar este mesmo documento a todos os candidatos que vierem à região, e sobretudo àqueles que disputam o governo do estado, e neste caso, o Zeca tem chances reais de ser o futuro governador.”). E, assim como meu Amigo octogenário que antes fora arenista, eu também acabei virando um admirador do Lula e de Dona Marisa Letícia, por tudo o que fizeram, e só não puderam fazer mais porque tinham que ceder à chantagem dos “éticos” cínicos que tomaram de assalto os destinos daquela que um dia foi a maior democracia do planeta.
Como dizem, #ForçaLula! #DonaMarisaLetíciaVive! Em nossa memória e em nosso coração! Em cada mulher consciente de seu papel e de seu valor humano, político e social. Em cada trabalhador(a) que produz as riquezas do país. Em cada criança cujo coração só tem espaço para o amor e a esperança. Até sempre, Dona Marisa, e obrigado por existir!