E se depressão fosse câncer? Porque não falamos de remissão no tratamento das doenças mentais

Especialista alerta que estigma da doença atrapalha a busca pela remissão total dos sintomas e reforça a urgência em tratar a depressão

São Paulo (SP) – Criada com o objetivo de conscientizar sobre a importância da prevenção do suicídio, a campanha do Setembro Amarelo é uma oportunidade para ampliar as conversas a respeito desse tema bastante delicado e que requer atenção especial por parte de toda a sociedade. A ideação suicida é o desfecho mais preocupante da depressão, no entanto, apesar da discussão acerca do assunto ser estimulada pela iniciativa, ainda pouco se fala sobre como alcançar a remissão da depressão, ou seja, como eliminar definitivamente o quadro depressivo, fazendo os sintomas chegarem a níveis subclínicos que não atrapalham a vida do paciente, reduzindo as chances de sucesso no tratamento. Cenário diferente do que acontece com outras doenças, como o câncer, por exemplo, onde a remissão é a meta apesar de todas as dificuldades.

Foto: Divulgação

Para Carmita Abdo, psiquiatra e professora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a depressão, assim como outras doenças mentais, é exageradamente estigmatizada e, por isso, muitas vezes, nem é vista como doença. “Tão grave quanto o câncer, a depressão não gera a mesma solidariedade e empatia nas pessoas graças ao preconceito e à falta de informação”, afirma.

Segundo estatísticas, no Brasil a depressão provoca incapacidade maior que muitos tipos de câncer, mesmo quando comparada aos mais prevalentes, como os tumores de pulmão e de mama. “Esse é um dado muito significativo, mas que não é levado em conta na prática, pois, apesar de doenças semelhantes em termos de ônus tanto para paciente e familiares quanto para o Estado, ainda são encaradas de maneira completamente diferentes, seja pela sociedade, pelo poder público e até pelos profissionais de saúde”, explica. A depressão impacta mais que os cânceres de mama e pulmão em anos de vida perdidos por incapacidade1.

No entanto, a especialista esclarece que, assim como na oncologia, existem caminhos possíveis que permitem alcançar a ausência total dos sintomas. “Se for diagnosticado precocemente e receber o tratamento adequado já no primeiro episódio depressivo, o paciente tem muitas chances de ter uma vida livre da doença. Mas com manejo inapropriado e demora na detecção do quadro, o indivíduo pode se tornar resistente ao tratamento e terá mais dificuldade de recuperação”, ressalta Carmita.

A depressão é uma doença mental que precisa ser tratada com urgência, sem demora. Seu tratamento consiste na combinação entre medicamentos e o acompanhamento psicoterápico. Entretanto, em alguns casos, o uso das medicações convencionais pode não resultar na melhora do quadro. É a chamada depressão resistente ao tratarmento (DRT), um subtipo de depressão que, em comparação a não resistente, está mais associada com comorbidades psiquiátricas e não psiquiátricas (ex. doenças cardiovasculares), além de um risco de suicídio 7 vezes maior. O Brasil é o 5º país no mundo em número de pessoas com depressão. Dados do estudo observacional TRAL (Treatment-Resistant Depression in America Latina), realizado pela Janssen, farmacêutica da Johnson & Johnson, com quase 1.500 pacientes na América Latina, demonstraram que no Brasil um em cada quatro pacientes tem DRT. Pesquisas mostram ainda que, a cada novo episódio, as chances de responder ao tratamento padrão diminuem consideravelmente. Outro dado preocupante que o estudo TRAL aponta é que 35,2% das pessoas com DRT estavam com ideação suicida naquele momento e 28,4% já haviam tentado tirar a própria vida pelo menos uma vez5. “Sem o tratamento apropriado o paciente pode evoluir para ideação suicida e o desfecho é sempre imprevisível. Por isso tratar a depressão o quanto antes é urgente, pois suicídio não se trata, se previne”.

Além disso, Carmita alerta para outro fator pouco comentado, mas que impacta muito a vida do paciente não tratado adequadamente: as sequelas deixadas pela doença podem permanecer para sempre. “A depressão pode se tornar crônica e, nesses casos, a pessoa precisará de tratamento ininterrupto. São sintomas residuais como fadiga, insônia, dificuldade de concentração, falta de motivação e que podem até prejudicar a parte cognitiva”, adverte, pontuando que a ideação suicida é a mais grave das consequências. “Precisamos impedir esse quadro com muita insistência, perseguir a remissão para evitar a cronificação dos sintomas e ter uma abordagem cuidadosa”, diz.

A médica acredita que é possível manter a esperança e tem a percepção de que estamos caminhando para possibilidades inéditas no tratamento da depressão. “Atualmente já existem novos medicamentos aprovados pela ANVISA capazes de trazer esse paciente de volta ao convívio social. Por que decretar que essa pessoa vai ter pouca qualidade de vida, se essas possibilidades já existem?”, indaga. E conclui: “Aumentando a disseminação de informações sobre a doença, educando e conscientizando a sociedade, vamos conseguir quebrar essa barreira de estigma e ampliar as chances de remissão da depressão”.

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