Como boliviano de ascendência libanesa e radicado há mais de 50 anos em Corumbá, só tenho a lamentar esse tipo de diarreia “jornalística”, pois quem quer ser jornalista precisa, antes de tudo, saber concatenar fatos e dados para contextualizar o fato que traz à baila:
1) A Constituição Federal de 1988, assegura direitos inalienáveis a todo cidadão nato, naturalizado ou estrangeiro, assistência à saúde, à educação e à seguridade social, bem como a garantia do respeito à dignidade humana, consagrado pela Carta das Nações Unidas em 1948, depois da avassaladora desgraça promovida pelo nazifascismo na Europa e em países colonizados pelos antigos impérios oriundos da Europa.
2) A decadência política e econômica de Corumbá, sobretudo depois da divisão de Mato Grosso, não é “culpa” dos bolivianos nem dos “turcos” que de alguma forma dão vida ao antigo centro cosmopolita do início do século XX (cabe aqui uma oportuna autocrítica àqueles que atuam na política para que enxerguem onde estão errando).
3) A arrogância de alguns dirigentes classistas locais ao projeto legítimo pela implantação da Área de Livre-Comércio de Corumbá e Ladário da década de 1990 é a maior responsável pelo compasso de espera que Corumbá e Ladário têm amargado nestas últimas décadas, o que acaba repercutindo no meio político (lembram-se do Pacto Pela Cidadania coordenado pelo saudoso Bispo Emérito Dom José Alves da Costa e da incansável atuação de corumbaenses abnegados como o senhor Jorge Katurchi?).
4) Graças à compra do gás boliviano, desde 1999 (conquistado no governo popular de Zeca do PT), Corumbá é o 2o. município do estado em arrecadação do ICMS, num volume significativo de milhões de reais ao ano (em outras palavras, ainda que Corumbá não agregue valor ao gás natural importado da Bolívia, só a passagem do gás pelo município já angaria recursos significativos para nossos depauperados cofres municipais).
5) Entre 1983 e 1993, segundo dados da extinta CACEX (Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil), o porto seco de Corumbá exportou para a Bolívia uma média diária de US$ 1,5 milhão (UM MILHÃO DE DÓLARES POR DIA) em mercadorias de todos os gêneros, o que levou à existência de mais de 130 exportadoras, reembarcadoras e despachantes aduaneiros que geravam empregos formais, diretos e indiretos, a mais de mil trabalhadores corumbaenses.
6) Corumbá gozou de uma “sobrevida” cosmopolita entre 1956 e 1996 (entre a inauguração da ferrovia Corumbá – Santa Cruz e a privatização por FHC da ferrovia Bauru – Corumbá), graças à intensificação das relações com a Bolívia depois da celebração entre os presidentes Getúlio Vargas e Victor Paz Estenssoro de diversos acordos bilaterais (erroneamente confundidos com o Tratado de Roboré, denunciado no Congresso Nacional em 1965 pela bancada golpista da ARENA, no primeiro ano do regime nefasto de 1964), não por acaso nos anos derradeiros de Mato Grosso uno (década de 1970), o município era o primeiro no antigo estado em arrecadação de ICM.
Isso é apenas a ponta do iceberg das contribuições feitas pela localização geográfica de Corumbá, no coração do Pantanal e da América do Sul.
Insisto: como aprendiz de cidadão e de trabalhador da imprensa (no tempo dos tipos móveis de chumbo, em que não havia muita tecnologia, mas sobrava garra, sensatez e sobretudo compromisso com o jornalismo investigativo e a verdade), jornalista não é aquele que junta palavras desalmadas, mas quem faz desse digno e sacrificado ofício uma razão de ser.
Viva Corumbá de todos os povos, todos os credos, todos os sonhos e todas as lutas!
* Articulista Ahmad Schabib Hany