Estagiários da ESG conhecem agricultura estratégica e sustentável na Embrapa Cerrados

Participantes do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (Caepe), da Escola Superior de Guerra (ESG), instituto ligado ao Ministério da Defesa, estiveram na última quinta-feira (29) na Embrapa Cerrados (DF). A visita fez parte de uma programação que o grupo, formado por cerca de 80 pessoas, cumpriu em Brasília, na última semana de agosto. “A finalidade da Escola Superior de Guerra é estudar o Brasil”, afirmou, na ocasião, o diretor do Caepe, brigadeiro Hélio Severino Filho.

Foto: Juliana Caldas

Segundo ele, o objetivo do curso, cuja turma é formada por militares e civis, é fazer com que todos os estagiários, como são chamados os participantes, conheçam as áreas mais importantes do Brasil. “Nesse sentido, a Embrapa não poderia ficar de fora dessa programação”, destacou. No centro de pesquisa, as palestras focaram nos projetos estratégicos da Embrapa Cerrados e nos seguintes temas: bioanálise de solo, serviços ambientais, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta e trigo no Cerrado.

Sebastião Pedro, chefe-geral da Embrapa Cerrados, apresentou aos visitantes o cenário atual da produção brasileira de alimentos. Cerca de 24% do PIB brasileiro é gerado pela agricultura, dentro e fora da porteira – nas fazendas e na indústria de insumos e serviços vinculados ao setor. O gestor afirmou que os municípios onde é desenvolvida agricultura têm melhores índices de desenvolvimento humano e oferecem maior qualidade de vida às suas populações e ainda destacou a relevância da atividade: “No cenário global, alimentamos nossa população, geramos receita e ajudamos a alimentar o mundo. Mas temos que mostrar ao mundo que temos governança social e ambiental na nossa produção”.

Sebastião Pedro mostrou os altos custos da produção no Brasil, devido à importação de insumos e ao pagamento de royalties e taxas de importação para uso de tecnologias produzidas no exterior. No entanto, ressaltou que o uso de tecnologias nacionais permite ao produtor rural reduzir esses valores. Defensivos químicos são substituídos por produtos de origem biológica e a fertilização do solo pode ser solucionada com produtos naturais, de origem mineral ou orgânico.

Ao mesmo tempo em que tornam viável a produção de alimentos no país, as tecnologias disponíveis para os produtores rurais podem fazer com que a agricultura deixe de ser uma emissora de gases de efeito estufa e passe a capturar esses gases da atmosfera com adoção de boas práticas de manejo. “Nossa agricultura cresce baseada em inovação, criada pela pesquisa oficial, feita pela Embrapa e pelas universidades, associada à pesquisa privada, feita pelas empresas. E o mundo cresce baseado em inovação, que agrega valor às soluções tecnológicas”, reforçou.

Agnaldo Pinto da Silva, superintendente de Agricultura e Pecuária do MAPA no Estado do Rio de Janeiro, um dos participantes do curso, reforçou a importância da agricultura do Brasil. Ele destacou a informação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de que o agro cresceu 15,1%, de 2022 para 2023, gerando R$ 10,9 trilhões para o país: “Não há dúvida sobre a potência da nossa agricultura para a nossa Nação. O nosso agro é motivo de orgulho”.

Bioanálise de solos

Uma dessas inovações desenvolvidas pela Embrapa de forma pioneira foi apresentada ao grupo: a tecnologia de Bioanálise de Solos (BioAS). Lançada em 2020, ela permitiu agregar o componente biológico às análises de rotina de solos. “É como se fosse um exame de sangue do solo. Da mesma forma que você faz um exame de sangue para saber se você tem algum problema assintomático de saúde, fazemos a bioanálise para detectar problemas assintomáticos de saúde do solo antes que eles se reflitam em termos de perda de rendimento de grãos nas nossas lavouras”, explicou a pesquisadora Ieda Mendes, da Embrapa Cerrados.

A tecnologia BioAS consiste na análise de duas enzimas (beta-glicosidase e arilsulfatase) que estão relacionadas ao potencial produtivo e à sustentabilidade do uso do solo. “O pessoal esquece que o solo é vivo, com uma diversidade grande de microrganismos. E ele pode adoecer. Hoje sabemos, por meio de muitos dados de pesquisa, que os solos saudáveis produzem cerca de 600 quilos a mais de soja por hectare. Mas, a questão da saúde do solo não tem só relação com produtividade”, esclareceu a especialista. “Solos saudáveis são mais resilientes e toleram mais os estresses hídricos, além de serem mais produtivos”, completou.

Segundo a pesquisadora, a partir desse trabalho inédito, o Brasil está formando o maior banco de dados de atividade enzimática de solos do mundo. “Hoje já temos dados de mais de mil municípios do Brasil. Em torno de 20% do território do país está representado nesse mapa da saúde dos solos dos municípios brasileiros e ele cresce o tempo todo”. De acordo com os dados já obtidos, a maior parte dos solos do Brasil analisados estão saudáveis e em recuperação e apenas 3% está doente.

O Brasil hoje está mostrando para o mundo que avaliar a saúde do solo não precisa ser um processo caro e complexo, mas pode ser simples, barato e eficiente. No futuro, queremos ter uma agricultura que vai produzir comida, mas que também vai prestar serviços ambientais e o agricultor ser pago por isso”, destacou Ieda Mendes. Segundo ela, a tecnologia BioAS pode ainda ser utilizada como métrica para separar as diferentes fazendas. “Com a bioanálise, podemos até começar a pensar em seguro agrícola diferenciado para os produtores”, avalia.

Serviços ambientais  

Temos um desafio enorme, que é unir a conservação da biodiversidade do Cerrado com a produção agrícola”, explicou em sua palestra a pesquisadora Fabiana Aquino. Ela tratou dos serviços ambientais, que são as atividades humanas que favorecem a conservação, a melhoria dos ecossistemas e dos serviços prestados pelos ecossistemas.

De acordo com ela, a propriedade agrícola precisa ser produtiva, mas os recursos naturais são limitados e é fundamental pensar sobre isso. “Nosso país possui uma megabiodiversidade e potencial agrícola muito grande. Temos que aproveitar isso. Podemos manter a vegetação nativa e seus organismos associados, sem abrir mão da nossa pujança em termos agrícolas, adotando as práticas agrícolas sustentáveis. Precisamos contar com essa abordagem integrada, que considera as múltiplas dimensões e promove maior equilíbrio”, enfatizou.

Uma ferramenta importante nesse sentido é a política de pagamento por serviços ambientais, instituída pela Lei 14.119, de 13 de janeiro de 2021. “Trata-se de um instrumento econômico que visa recompensar aquele que conserva o meio ambiente e, assim, produz ou mantém os serviços ecossistêmicos. É uma política interessante porque beneficia exatamente aqueles proprietários que usam práticas conservacionistas e que devem ser reconhecidos por isso”, explicou Fabiana Aquino.

Como exemplo de como essa ação pode ser colocada em prática, ela citou o Projeto Produtor de Água no Pipiripau – DF, que conta com o apoio da Embrapa como uma das instituições parceiras. O projeto faz parte do Programa Produtor de Água da Agência Nacional de Águas (ANA) e tem como objetivo a revitalização ambiental de bacias hidrográficas. “Na bacia do Ribeirão Pipiripau havia um conflito grande pelo uso da água e era preciso melhorar as práticas utilizadas”.

A pesquisadora concluiu dizendo que as ferramentas para gerir de uma forma melhor os recursos naturais já existem. “Só precisamos exercitar esses modelos, especialmente os que vão beneficiar diretamente os produtores rurais”.

Trigo no Cerrado

A programação prosseguiu com visitas de campo. O pesquisador Angelo Sussel repassou informações sobre a cultura do trigo, o mercado e os desafios da pesquisa nessa área. Hoje o Brasil produz cerca de 9 milhões de toneladas de trigo, mas o consumo é de quase 12 milhões, sendo que a produção é concentrada na região sul e o consumo, nas regiões sudeste e nordeste.

O desafio da pesquisa era trazer a triticultura para a região tropical; que não era acostumada a plantar trigo, ou por não ter materiais adaptados ou por não ter mesmo a cultura desse tipo de produção”, contou Sussel. “Fizemos um trabalho de dividir o país em regiões mais homogêneas, onde poderíamos desenvolver materiais e recomendá-los para aquela determinada região. Dessa forma, dividimos o país em quatro regiões produtoras de trigo e cada programa de melhoramento desenvolve seus materiais focados para cada uma delas”, explicou.

Segundo o pesquisador, esse trabalho veio principalmente para atender o potencial que o Cerrado brasileiro tem de produção de trigo, tanto no sistema sequeiro, quanto irrigado. “O trigo sequeiro entra logo após a retirada da soja, entre fevereiro e março, e é colhido em junho. O irrigado tem janela diferente. Tem semeadura em maio e a colheita em setembro”, detalhou. De acordo com Sussel, há uma grande vantagem de ter essas datas de plantio e colheita diferenciadas: “Eles [produtores da região sul] colhem apenas entre outubro a dezembro. Então conseguimos preencher uma lacuna da comercialização”.

O pesquisador apresentou os resultados já alcançados pelo programa, com o desenvolvimento de variedades adaptadas às condições do Cerrado. “A BRS 404 é a única que consegue suportar o calor e a seca e é a mais produtiva também. Já para o sistema irrigado, temos como destaque a BRS 264, BRS 254 e BRS 394”.

Sussel relatou o que os pesquisadores buscam ao desenvolver esses novos materiais: tolerância a doenças, ao calor e a seca, ao acamamento, além de altas produtividades. É o caso da BRS 264, extremamente produtiva e com excelente aceitação pela indústria. Ela alcançou o recorde mundial de produtividade diária: 9.630 kg/ha, isto é, 80,9 kg/ha/dia, ou 160,5 sc/ha, em colheita no município de Cristalina (GO) em 2021.

Sistemas integrados

A visita foi finalizada na área experimental de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta. O pesquisador Lourival Vilela, pioneiro nos estudos de sistemas integrados, relatou como os trabalhos começaram e os resultados já alcançados. “Temos o experimento de ILP mais antigo do Cerrado. Foi implantado numa área próxima dessa, em 1990”, contou.

Vilela relatou que o objetivo era usar a agricultura para recuperar pastos degradados. “Foi um grande desafio. A agricultura naquela época era só soja e milho, não tínhamos muitas alternativas de rotação. Por outro lado, a pecuária era do século passado. Os pecuaristas não eram acostumados a buscar tecnologia”, relembrou. Em 2009, os estudos incluíram o componente florestal no sistema, com o eucalipto e outras espécies nativas. Hoje, o experimento de ILPF é o mais visitado da Embrapa Cerrados.

“Nosso desafio aqui na área de sistemas integrados é conciliar o aumento de produtividade com baixo impacto ambiental”, complementou o pesquisador Roberto Guimarães Júnior. Segundo ele, por meio dos sistemas integrados, é possível aumentar a produtividade da área e os indicadores ambientais. “Isso a pesquisa tem mostrado com consistência ao longo dos anos. Aqui nos preocupamos muito em medir tudo o que temos feito”, afirmou.

Segundo o pesquisador, os estudos mostram que quando se integra a agricultura e a pecuária a quantidade de carbono estocado no solo aumenta em torno de cinco vezes: “E carbono no solo tem tudo a ver, não só com mudanças climáticas – tem a ver com aumento de produtividade, com aumento da biodiversidade do solo, com aumento da infiltração de água no solo, que é uma questão de extrema importância em cultivos agrícolas”.

De acordo com o especialista, há estudos mostrando que, em áreas de ILP, o carbono no solo chega a atingir níveis equivalentes ao do Cerrado nativo, com a utilização de agricultura, pastagens e animal. “Isso, do ponto de vista estratégico, é muito importante. Recebemos aqui muitas visitas internacionais, embaixadores, vem muitos formadores de opinião, como os senhores, e para nós é importante que todos saiam daqui convencidos de que é possível produzir, aumentar a produtividade e, ao mesmo tempo, preservar”.

O pesquisador enfatizou que nos dias atuais o Brasil não tem necessidade nenhuma, com as tecnologias disponíveis, de desmatar novas áreas para produzir alimentos. “Atualmente, temos um passivo ambiental em torno de 36 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade, já mapeados por satélite. Desses, 28 milhões possuem plena condição de serem recuperados com agricultura. Possuímos todas as ferramentas para tornar o Brasil uma potência ainda maior na produção de alimentos e também uma referência em termos ambientais”, destacou.

Para o pesquisador Roberto Guimarães Júnior, não há nenhum país no mundo que é capaz de fazer o que o Brasil faz hoje em termos de agricultura e pecuária. “Nossa pecuária é 96% realizada a pasto e a nossa agricultura tem mais de 60% da área com solo coberto o ano todo. Isso é sustentabilidade, isso é carbono, é dinheiro no bolso do produtor e isso é uso da tecnologia”, finalizou.

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