Quando falamos em doenças raras, alguns termos se evidenciam, como a importância do diagnóstico precoce, sintomas, expectativa de vida, entre outros. Independentemente do tipo de patologia, são diversas as situações em comum que pacientes e seus familiares enfrentam e que vão muito além das questões clínicas.
A história de Wesley Cauê da Silva, de 9 anos, é similar à de diversas crianças de todo o Brasil e do mundo. Wesley tem distrofia muscular de Duchenne (DMD), uma doença neuromuscular causada por uma falha na produção da proteína distrofina, essencial para a estabilização dos músculos, e que afeta principalmente meninos. Seu irmão, José William, faleceu aos 16 anos, em 2018, por complicações da mesma doença, já num estado mais avançado de degeneração muscular, utilizando cadeira de rodas e com comprometimento cardíaco. Ambos faziam uso do mesmo tratamento para a doença, em doses compatíveis para cada um.
“Perdi um filho para essa doença. Wesley segue o tratamento e tudo está indo bem. Mas fico aflita só de imaginar a possibilidade de não receber o remédio. O tratamento retarda a progressão da doença, e isso é muito importante. Se ele parar, ele pode perder a força, os músculos que ele está conseguindo manter“, desabafa Ana Paula da Silva, mãe dos meninos.
O neuropediatra e neuromuscular Luis Fernando Grossklauss, especialista em DMD, explica que sem a medicação os efeitos da doença são acelerados. “Podemos calcular que um menino que normalmente pararia de andar aos 10 anos de idade, com a medicação possa estender esse período até por vota dos 14 anos“, afirma. “Se o paciente ficar sem o tratamento, mesmo que volte a fazer uso, não recupera mais qualquer movimento que tenha perdido durante o período em que não foi medicado“, explica, ressaltando a importância da aderência ao tratamento.
A dificuldade de acesso aos tratamentos multidisciplinares, que vão desde uma consulta clínica, até a indisponibilidade de novas terapias ou a demora dos processos burocráticos para disponibilização de medicamentos de alto custo é recorrente no mundo de quem tem uma doença rara.
“A pandemia de Covid-19 comprometeu ainda mais o funcionamento de muitos serviços de atendimento, assim como teve reflexos na disponibilização de terapias, com atrasos ou interrupções. E se bem que grande parte dos processos estejam retomando o ritmo, isso é emocionalmente muito desgastante para pacientes, familiares e pessoas próximas, pois travam uma luta contra o tempo para garantir melhor qualidade de vida a essas pessoas, quando isso é possível“, diz Maria Cecília Oliveira, presidente da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (AFAG).
No caso de doenças neurológicas, de degeneração progressiva, por exemplo, isso pode significar a diferença entre caminhar ou ir para a cadeira de rodas, e até viver ou morrer. Para Cecília, muitas vezes os órgãos governamentais responsáveis pela disponibilização de medicamentos para doenças raras consideram a questão apenas do ponto de vista econômico quando atrasam ou até negam requerimentos.
Segundo a descrição do próprio Ministério da Saúde, a portaria 199, de janeiro de 2014, institui a política nacional e aprova as diretrizes de atenção integral às pessoas com doenças raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institui incentivos financeiros de custeio. O artigo 4º do mesmo documento apresenta como objetivo “reduzir a mortalidade, contribuir para a redução da morbimortalidade e das manifestações secundárias e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, por meio de ações de promoção, prevenção, detecção precoce, tratamento oportuno redução de incapacidade e cuidados paliativos“.
“São esses direitos que os pacientes de doenças raras sabem que têm e precisam fazer valer. A luta deles é contra o tempo, e cada dia que passa é vital“, completa a presidente da AFAG.