Campo Grande (MS) – O Conselho Estadual de Políticas Culturais aprovou o Registro da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, em Bataguassu, e a Festa do Divino de Santa Tereza, no município de Figueirão, como Patrimônio Imaterial de Mato Grosso do Sul.
A Festa do Divino
Com a inserção no livro das Celebrações do Patrimônio Imaterial, a Festa do Divino Espírito Santo de Santa Tereza, no Município de Figueirão – MS é reconhecida como uma manifestação cultural religiosa popular e oral, pois envolve os moradores da comunidade onde o passado, os moldes e normas seguidas pela celebração são veiculados pela memória e costumes coletivos.
A festa acontece na fazenda Santa Tereza, da família Malaquias, região da Pontinha do Cocho, em Figueirão. Esse município teve a população estimada em 3.044 pessoas para 2018, segundo censo IBGE (2010). A festa é divulgada e frequentada por turistas, festeiros, pesquisadores, produtores culturais, gestores de cultura, jornalistas, artistas, pagadores de promessas, religiosos, políticos e todo tipo de público. Com sua participação, valorizam e mantém essa manifestação cultural viva, além de divulgar o município colaborando com o desenvolvimento local e a fruição desse Bem Cultural Imaterial.
A festa nesta região deu-se com uma promessa. Seu Domingos Malaquias, filho de Joaquim Malaquias da Silva, conta que tudo começou quando a segunda mulher de seu pai, dona Maria Francelina de Jesus fez uma promessa por causa de uma epidemia de febre amarela. Seu Domingos ainda hoje é responsável por comandar o evento na comunidade pagando a promessa todos os anos pela graça alcançada com o remédio para febre amarela salvando muitas pessoas da morte.
Seu Ereduzino Malaquias, chefe do giro e filho de Joaquim Malaquias, fundador da região, conta que cada integrante da comunidade tem uma atribuição, seja na organização, na limpeza ou na cozinha. Todo ano ao fim da festa é feito um sorteio que determina quem irá trabalhar no ano seguinte. A fé mantém a tradição do povo há mais de 100 anos.
As etapas da festa
O sorteio do festeiro, reunião com os foliões no dia da páscoa, para fazer a demarcação do percurso, que acontece 50 dias após a Páscoa. O trajeto começa à direita passando de fazenda em fazenda, vão a cavalo, a comida é gratuita, oferecida pelo dono do pouso. Levam somente rede, cobertor e capa de chuva. São ao todo 14 dias de viagem, chegam muitas pessoas após o término de cada percurso, foliões, promesseiro e até crianças.
A comitiva convida o Sr. Ereduzino para a festa e pedem pouso por cantoria (2 cantam e 2 respondem). Agasalham o santo, rezam o terço, pela manhã tomam café, juntam a tropa e pedem a bandeira por cantoria. A toada é uma só, mas a cantoria é diversa como um repente. Foliões e promesseiros acompanham a festa. A rapadura de cana e mamão é um dos alimentos especiais preparados e ofertados.
São mais ou menos 120 pessoas envolvidas na Festa do Divino de Figueirão, a expectativa é de duas mil pessoas para a festa, no dia é servido o puchêro e a janta é o churrasco. Ao final, a entrega da bandeira para o festeiro que vai guardá-la para a próxima festa, no próximo ano. A tropa é liberada após a missa, reza cantada do Santo Terço com a queimada fogueira e a apresentação da catira.
Alguns moradores locais relatam que a catira foi trazida para a região por boiadeiros vindos de Goiás e Minas Gerais que, ao permanecerem vários dias no lugar, faziam suas rodas de catira. A família Malaquias foi aprendendo paulatinamente os passos e o domínio dos instrumentos musicais. Atualmente, as modas predominantes no catira são copiadas das duplas sertanejas Tião Carreiro e Pardinho ou Vieira e Vieirinha. Em algumas ocasiões os Malaquias chegam a compor seus próprios cantos, como a moda “Dezenove de Maio”, criada pelos violeiros da folia, para festejar o Senhor Divino.
No intervalo das modas, há uma rodada de água ardente (pinga), cuja garrafa é deixada no centro entres as fileiras. Todos tomam a bebida na própria garrafa, passada de mão em mão, ou de boca em boca. O sapateado e o palmeado também sofrem variações criadas por eles a cada ano, com o objetivo de melhorar o desempenho e testar agilidade cada vez mais complexa. Não é qualquer pessoa que pode dançar o catira no dia da festa. Os dançadores são convidados um a um, momentos antes da dança começar.
Em 2021, comemoram-se 112 anos de atuação da comunidade em Santa Tereza e da família Malaquias carregada de simbolismos e rituais religiosos de muita fé. A Fundação de Cultura conclui que a Festa do Divino Espírito Santo de Santa Tereza não se eterniza apenas pela devoção, pela execução das músicas, pela comida, pela bebida ou pelo bate pé e bate mãos. Pode-se afirmar que o conjunto dessas práticas culturais permite ainda hoje a partilha, o encontro e a união entre as pessoas, as famílias, o grupo de foliões, que todo mês de maio se reúnem para agradecer e celebrar a vida.
A festa de Nossa Senhora dos Navegantes
A Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, em Bataguassu, acontece desde meados do século XX, nas águas do Rio Paraná devido a uma promessa realizada em favor do regresso de um combatente da Segunda Guerra Mundial. Essa prática cultural une religiosidade a características geográficas do distrito de Nova Porto XV. Devido a inundação causada pela construção de uma hidrelétrica, o antigo Distrito XV de Novembro, foi obrigado a se deslocar de seu lugar de origem, a 12 km da margem antiga, formando o reservatório de Porto Primavera.
Desde 1948 a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes tem reunido sua comunidade que a mantém viva apesar de seu território ter sido modificado de forma compulsória, e, ainda que tenha perdido forças e grandiosidade devido a inúmeros fatores, é salutar o reconhecimento da festa do distrito de Nova Porto XV enquanto patrimônio cultural imaterial do estado de Mato Grosso do Sul, tendo com isso um papel fundamental para a preservação e salvaguarda de uma das mais importantes e representativas celebrações religiosas da região.
A celebração religiosa acontece de 06 a 15 de agosto, com culminância na manhã do dia 15, ocasião que acontece o trajeto fluvial rumo à margem paulista de Presidente Epitácio. A festa, tradicional nas duas cidades envolvidas, conta com comissão organizadora que trabalham em conjunto para dar conta de extensa programação ao longo dos dias que antecedem a procissão fluvial, ápice do evento. A prefeitura disponibiliza ônibus que sai da Praça Manoel Cecílio de Lima para que a população de Bataguassu possa prestigiar o evento no distrito, e além da celebração religiosa, conta com queima de fogos, praça de alimentação com culinária envolvendo os pescados da região e parque de diversões.
Ainda que a mais significativa mudança da festa tenha sido geográfica, não há como negar que o ritmo musical também não seja o mesmo: o forró deu lugar ao sertanejo. Além disso, a quantidade de barcos que acompanham a procissão pelas águas do Rio Paraná diminuiu com o passar do tempo. Apesar das vicissitudes, a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes continua viva, unindo a comunidade do Distrito de Nova Porto XV há mais de 70 anos, com seus andores, orações, hinos e shows de música.