O motorista, dirigindo calmamente, recebe, de repente, uma fechada de um ônibus. Aquilo basta para deixá-lo furioso. Primeiro buzina sem parar, encostado na traseira do ônibus. Depois passa a persegui-lo, sempre buzinando e gritando palavrões. Quando o ônibus para novamente no sinal, ele sai do carro, deixa a porta aberta e tal como um animal furioso, com “sangue nos olhos”, dependura-se na janela do motorista do ônibus e tenta agarrá-lo com uma das mãos — o que acabaria conseguindo não fossem alguns pedestres que o tiraram de lá.
Essa é uma cena real, descrita por um cliente da psicóloga Vânia Calazans, especializada em Transtorno Explosivo Intermitente, mais conhecido como TEI. Trata-se de um transtorno psiquiátrico, também chamado com bons motivos de Síndrome de Hulk, já identificado há muito tempo e, a partir do século XX, presente no DSM, manual que lista diferentes categorias de transtornos mentais de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria.
“Pacientes com esse transtorno apresentam reações intensas de fúria completamente desproporcionais aos eventos”, explica Vânia. “São pessoas que têm dificuldades de gerenciar a raiva, acumulam muito, ou como se diz popularmente, ‘engolem sapo’ e qualquer incidente pode detonar uma ataque de fúria.”
Em situações de stress, diz ela, a possibilidade de ocorrer esses ataques é maior, o que explica a frequência com que se vê motoristas alucinados, brigando e xingando, no trânsito caótico das grandes cidades. Às vezes, algumas pessoas descobrem que têm “pavio curto” apenas nas situações do trânsito. É o caso da secretaria executiva Juliana Alberitz.
Com apenas um ano de carta, descobriu que era capa de ter ataques de fúria. “Foi impressionante. Eu levei uma fechada e de repente perdi o controle. Durante uns cinco minutos persegui o carro, buzinando, xingando e tentando emparelhar com ele. Fiquei fora do meu controle. Parece que foi um pesadelo”, conta. De repente, ela se deu conta do que estava fazendo, parou o carro, respirou e tentou se acalmar. “Fui até consultar um psicólogo e ouvi pela primeira vez essa sigla TEI.”
Mas pior mesmo é a história de quem sofreu com a agressividade de um ataque de fúria. O funcionário público Arnaldo Kosnich nunca vai esquecer esse dia. Ele disputou espaço com outro carro e quando o sinal fechou, apenas murmurou um palavrão para o seu rival. Foi o suficiente. ” O cara puxou um revólver e me deu dois tiros. Um deles, pegou na porta do passageiro, do lado externo. O outro, quebrou o vidro do passageiro e se alojou na parte interna da minha porta. E quando o sinal abriu, ele tomou a frente e, virando-se, deu o terceiro tiro, que ricochetou no capô, quebrou o para-brisa e foi se alojar no teto do carro. Por pouco não me atingiu”, lembra Kosnich. Na hora, ele parou o veículo e ficou pensando no risco de morte que passou. Depois disso, deixou de dirigir por mais de seis meses. “Eu percebi a loucura do trânsito.”
O paciente de TEI é cordato, com bom relacionamento social, que aparenta estar tranquilo, mas que, sem premeditação, pode explodir, explica Vânia. “No trânsito”, diz ela, “o simples fato do carro da frente não sair imediatamente no semáforo verde pode bastar para um ataque de cólera que muitas vezes chega às vias de fato, com agressão física”. Depois da cena acontecer, o paciente tem uma sensação de alívio que é seguida, no entanto, por um sentimento de culpa e vergonha pelo que fez.
O TEI é diagnosticado por meio de exames com psiquiatras ou psicólogos. Mas, segundo o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, alguns comportamentos são fundamentais para desconfiar da presença do transtorno e procurar ajuda: os ataques são explosivos, não premeditados e ocorrem mais do que duas vezes por semana; os episódios são repentinos e marcados por ataques físicos e destruição de objetos. E após o comportamento agressivo, o paciente apresenta sinais de fadiga, forte tensão, formigamento, tremores e palpitações.
Pessoas com esse transtorno relatam que sentem ”necessidade de atacar e ferir”, “pico de adrenalina”, “sangue nos olhos” e até “vontade de matar alguém”. Segundo registros da medicina, o TEI não era visto como doença e sim como temperamento. Pessoas agressivas, exageradamente temperamentais, eram consideradas de personalidade forte e “pavio curto”. No entanto, os casos foram mostrando outra realidade.
“Portadores desta síndrome relatam sofrerem prejuízo no trabalho, na vida social e, principalmente, crise no casamento, com uma ocorrência grande de separações. Hoje, além de ser considerada uma doença, há tratamento que dá bons resultados, baseados em psicoterapia cognitiva e comportamental e até hipnose. Medicação só em alguns casos”, diz Vânia Calazans.
Conhecendo esse problema, aconselham-se aos motoristas que não abusem dos sentimentos de outros motoristas para que não corram o perigo de enfrentar um ser enfurecido. O perigo está solto por aí.
Dicas para os furiosos
O professor de ioga Fábio Calazans recebe, em sua escola, muitos alunos que reclamam do stress do trânsito. Por isso, ele desenvolveu uma cartilha com instruções básicas para prevenir e amenizar os efeitos da tensão e da irritação no trânsito. Siga as dicas dele:
1. Conte até dez. Essa é a mais antiga receita para acalmar diante de uma situação de stress. Funciona.
2. Conhece a ioga de mão? indicada para os momentos em que há paralisação do trânsito. Quando isso acontecer, estique seus braços sobre a direção e movimento os dedos, dobrando-os individualmente, aumentando o fluxo sanguíneo.
3. Ouça histórias. É sempre relaxante. Ouvir algo no rádio funciona, como também é bom os audiobooks, especiais para serem executados no carro. Só tome cuidado para não dormir.
4. Melhore o ambiente do seu carro. Pendure desenhos de seus filhos, pinturas de mestres que admira ou mesmo imagens que te inspiram paz e tranquilidade.
5. Meditar no carro é possível. Repita palavras como “paz” e “amor” para acalmar a mente, o que certamente vai produzir relaxamento no corpo.
6. Beba água. Tenha sempre consigo uma garrafa com água e adote o costume de dar goles com frequência. A água ainda é o melhor remédio.
7. Ouça música. As de sua preferência. Mas é aconselhável optar pelas mais calmas, as baladas românticas, as clássicas, as mais calmas.