São Paulo (SP) – No Brasil, os homicídios são a principal causa de mortalidade de jovens, segundo o Atlas da Violência 2020. O estudo elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 30.873 jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos foram vítimas de homicídios no ano de 2018, o que representa 53,3% do total de 57.956 vítimas em todo o país. O Atlas da Violência 2020 tem como base de dados os números apresentados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS) e também traz números alarmantes sobre o impacto da desigualdade social nos números sobre violência contra as mulheres, as mortes por arma de fogo e o perfil das vítimas de homicídio entre 2008 e 2018.
• Jovens entre 15 e 29 anos representaram 53,3% do total de homicídios
• 75,7% das vítimas de assassinatos no país são negras. A disparidade nas tendências de taxas de mortalidade entre negros e não negros evidencia a desigualdade racial: enquanto a taxa de homicídio de negros cresceu 11,5% na última década, entre não negros houve redução de 12,9%. • Em 2018, uma mulher morreu assassinada a cada duas horas no país • 68% das mulheres mortas são negras, a taxa é praticamente o dobro na comparação com não negras • Em dez anos, a taxa de homicídio de mulheres negras cresceu 12,4%; já a taxa de homicídio de não negras caiu 11,7% no período. • País registrou 57.956 assassinatos em todo o país em 2018, uma queda de 12% na comparação com 2017; na década, 91,8% das vítimas foram homens |
A publicação aponta melhora nos índices de mortalidade violenta juvenil, com apenas três estados apresentando elevação na taxa de homicídios na faixa entre 15 e 29 anos, entre eles Roraima (+119,8%), Amapá (+15,5%) e Rio de Janeiro (+4,2%). Já os decréscimos mais expressivos ocorreram em Pernambuco (-28,3%), Espírito Santo (-27%) e Minas Gerais (-26,2%). O Atlas 2020 também analisou os números do período entre 2008 a 2018 e registrou um aumento de 13,3% na taxa de jovens mortos, passando de uma taxa de 53,3 homicídios a cada 100 mil jovens em 2008 para 60,4 em 2018.
“Esse fato mostra o lado mais perverso do fenômeno da mortalidade violenta no país, na medida em que mais da metade das vítimas são indivíduos com plena capacidade produtiva, em período de formação educacional, na perspectiva de iniciar uma trajetória profissional e de construir uma rede familiar própria”, avalia o pesquisador Daniel Cerqueira, um dos autores do estudo.
Os homicídios foram a principal causa dos óbitos da juventude masculina, representando 55,6% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos; de 52,3% daqueles entre 20 e 24 anos; e de 43,7% dos que estão entre 25 e 29 anos. No ano de 2018, 16 Unidades da Federação apresentaram taxas de homicídios de jovens acima da taxa nacional, que é de 60,4 por 100 mil. Roraima aparece como o Estado com a maior taxa de homicídios de jovens do país, com o índice de 142,5 mortes por 100 mil, seguido por Rio Grande do Norte (119,3) e Ceará (118,4). Já as menores taxas foram de São Paulo (13,8), Santa Catarina (22,6) e Minas Gerais (32,6).
Para as mulheres nessa mesma faixa etária, a proporção de óbitos ocorridos por homicídios é consideravelmente menor: de 16,2% entre aquelas que estão entre 15 e 19 anos; de 14% daquelas entre 20 e 24 anos; e de 11,7% entre as jovens de 25 e 29 anos. Com o recorte de gênero apenas nos homens, as taxas de homicídios praticamente dobram. O maior índice se mantém em Roraima, com 258,2 homicídios por grupo de 100 mil homens jovens, seguido por Rio Grande do Norte (226,3) e Amapá (224,8). Os estados com as taxas mais baixas se mantêm os mesmos em relação às taxas gerais de homicídios de jovens: São Paulo (24,6), Santa Catarina (39,8) e Minas Gerais (59,0).
No ano em que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) comemora 30 anos, o Atlas também traz alguns dados que reafirmam a importância da legislação ao frear o avanço da violência letal entre esse grupo populacional. Segundo os dados apresentados, a escalada dos assassinatos perdeu intensidade com a introdução do ECA: se entre 1980 e 1991 a taxa de homicídios entre crianças e adolescentes cresceu em média 7,8% ao ano, entre 1991 e 2018 o crescimento médio anual caiu para 3,1%.
Violência contra a mulher
Em 2018, 4.519 mulheres foram assassinadas no Brasil, uma taxa de 4,3 homicídios para cada 100 mil habitantes do sexo feminino, o que indica que uma mulher foi assassinada no Brasil a cada duas horas. Seguindo a tendência de redução da taxa geral de homicídios no país, a taxa de homicídios contra mulheres apresentou queda de 9,3% entre 2017 e 2018, com redução nas taxas em 19 das 27 Unidades da Federação. As reduções ocorreram em Sergipe (48,8%), Amapá (45,3%) e Alagoas (40,1%), e os Estados com as menores taxas de homicídios de mulheres por 100 mil habitantes foram São Paulo (2,0) Santa Catarina (2,6), Piauí (3,1) e Minas Gerais (3,3)..
Entre os estados em que as taxas de homicídios de mulheres aumentaram no período, três apresentaram um aumento superior a 20%: Roraima (93%), Ceará (26,4%) e Tocantins (21,4%). Roraima e Ceará também apresentaram as maiores taxas de homicídio feminino por 100 mil habitantes em 2018 – 20,5 e 10,2, respectivamente -, seguidos pelo Acre (8,4) e Pará (7,7). Esses estados também figuram entre aqueles com as maiores taxas gerais de homicídios no país em 2018, segundo o Atlas da Violência 2020.
Já entre 2008 e 2018, o Brasil teve um aumento de 4,2% nos assassinatos de mulheres. Em alguns estados, a taxa de homicídios em 2018 mais do que dobrou no período, casos do Ceará (278,6%), Roraima (186,8%) e Acre (126,6%). Já as maiores reduções foram no Espírito Santo (52,2%), São Paulo (36,3%) e Paraná (35,1%).
Os dados do Atlas também reforçam a desigualdade racial existente no Brasil e como elas se traduzem nos números da violência. Os dados de homicídios de mulheres na última década mostram que a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, enquanto a taxa de mortalidade entre mulheres negras aumentou 12,4%.
“O enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil precisa ser priorizado pelas autoridades. O Atlas é mais um estudo, entre vários, que indica a magnitude do problema e a importância de considerar o recorte racial no desenvolvimento das políticas públicas, dado que as principais vítimas são as mulheres negras”, avalia Samira Bueno.
Desigualdade racial
Enquanto os jovens e as mulheres negras figuram como as principais vítimas de homicídios do país, entre os brancos os índices de mortalidade são muito menores quando comparados aos primeiros e, em muitos casos, apresentam redução. Apenas em 2018, os negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE) representaram 75,7% das vítimas de homicídios, com uma taxa de homicídio por 100 mil habitantes de 37,8. Entre os não negros (soma de brancos, amarelos e indígenas) a taxa foi de 13,9 assassinatos , o que significa que, para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos.
Ao analisarmos os dados da última década, vemos que as desigualdades raciais se aprofundaram ainda mais, com uma grande disparidade de violência experimentada por negros e não negros. Entre 2008 e 2018, as taxas de homicídio apresentaram um aumento de 11,5% para os negros, enquanto para os não negros houve uma diminuição de 12,9%. Os Estados que concentraram as maiores taxas de homicídios contra pessoas negras pertencem às regiões Norte e Nordeste, com destaque para Roraima (87,5 mortos para cada 100 mil habitantes), seguido por Rio Grande do Norte (71,6), Ceará (69,5), Sergipe (59,4) e Amapá (58,3).
Armas de fogo
Em 2018, 41.179 pessoas foram assassinadas por arma de fogo no país, o que corresponde a 71,1% de todos os homicídios do país. Em meio a esse cenário, chama a atenção o fato de os estados com maiores taxas de homicídio por arma de fogo em 2018 terem sido exatamente aqueles que apresentaram as mais altas proporções de homicídios por arma de fogo, em relação ao total de homicídios. Enquanto o Rio Grande do Norte apresentou taxa e proporção de homicídios por arma de fogo de 47,1% e 89,9%, respectivamente, esses índices foram de 46,3% e 85,8%, para o Ceará, e de 42,1% e 84,6%, para Sergipe.
Vários trabalhos mostraram o impacto da difusão de armas de fogo sobre homicídios no Brasil, com evidências de que, entre 2004 e 2007, a taxa de homicídios seria 11% maior caso o Estatuto do Desarmamento não fosse sancionado. Ao considerar a taxa de homicídio por arma de fogo por 100 mil habitantes, esse índice cresceu a uma velocidade média de 5,9% entre 1989 e 2003, período anterior à legislação de controle de armas no Brasil, ao passo que entre 2003 e 2018 a velocidade média do crescimento anual diminuiu para 0,9%.
Ou seja, antes de 2003, quando foi sancionado o Estatuto do Desarmamento, a velocidade de crescimento das mortes era cerca de 6,5 vezes maior do que a que passou a vigorar no período subsequente. Caso a trajetória do número de homicídios por arma de fogo fosse orientada pelos índices de crescimento antes do Estatuto do Desarmamento, a evolução do indicador seguiria outro padrão, podendo ultrapassar 80 mil mortes em 2018.
“Desde 2019, o Estatuto do Desarmamento foi sepultado e iniciou-se um processo de flexibilização no acesso da população às armas de fogo e munição, cujos impactos poderão durar décadas. Na contramão de todas as pesquisas e evidências científicas, o recente processo de mudanças legislativas visa não apenas à flexibilização das regras de acesso a armas e munições, como também o incentivo a que os brasileiros se armem”, explica Daniel Cerqueira, autor de vários estudos sobre o tema.
Homicídios na última década
A queda de 12% na taxa de homicídios apontada pelo Atlas da Violência 2020 no ano de 2018 corrobora dados já apresentados por outros estudos como o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. Em sua edição 2020, o Atlas apresenta um levantamento mais detalhado sobre o perfil das vítimas de homicídios no país entre os anos de 2008 e 2018, quando foram registrados 628 mil homicídios, por meio das condições socioeconômicas, da raça e do gênero das pessoas assassinadas no período. No total, 91,8% das vítimas foram homens, com 55,3% na faixa entre 15 e 29 anos, e pico aos 21 anos de idade. Entre homens e mulheres, verifica-se baixa escolaridade, com no máximo sete anos de estudo entre as vítimas. Os dias de maior incidência desses crimes foram sábados e domingos.
A íntegra do Atlas da Violência 2020 pode ser encontrada no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: http://forumseguranca.org.br/atlas-da-violencia/.