Nascida no dia 22 de abril de 1900, Lídia Baís foi uma pessoa que sempre esteve à frente do seu tempo. É dessa maneira que a responsável pelo museu, localizado na Morada dos Baís e batizado com o nome da artista plástica, define esta que foi uma “pequena grande” mulher.
Pequena, pela baixa estatura: a filha do célebre benfeitor do então vilarejo de Campo Grande, Bernardo Franco Baís, media apenas 1.45 m de altura. E grande pelo importante legado que deixou às belas artes não só da Capital, como também do estado de Mato Grosso do Sul, que há cerca de dez anos, tombou as telas da artista como patrimônio estadual.
“Lídia vivenciou os anos 10, 20 e 30, e já nessa época discutia sobre a questão da inclusão social, que era uma coisa que ninguém sabia direito do que se tratava. Além disso, apesar de ser muito católica, procurou conhecer e entender outras religiões, como os rosa-cruzes e a umbanda. E estes esses elementos místicos serviram de forte inspiração para suas pinturas e encontram-se presentes em boa parte de suas obras”, explica Janine Tortorelli, a responsável pelo museu Lídia Baís.
Lídia morou no casarão da Avenida Afonso Pena, hoje Morada dos Baís, entre os anos de 1918 e 1938. Mas, apesar de todo o conforto que o sobrado oferecia, proporcionado pela excelente condição financeira que a família Baís dispunha, Lídia não se sentia à vontade em uma cidade como Campo Grande. “Fazer o quê nessa aldeia?”, ela questionava.
“Como estudou fora da cidade, e até do país, ela ficava entediada quando vinha para cá. Um dos seus lugares preferidos era São Paulo. Por isso, aproveitando que o trem passava em frente à sua casa, que em certas ocasiões, ela pulava a janela e fugia. Não há comprovação de que isso tenha de fato ocorrido. Mas creio que pelo histórico da Lídia, isso tenha sido possível”, salienta Janine.
A arte de Lídia – Seus primeiros quadros foram pintados por volta do ano de 1915. Nos anos 20, convenceu o pai a deixá-la viajar para estudar pintura no Rio de Janeiro com os professores Osvaldo Teixeira e Henrique Bernardelli. Este último, foi o responsável pela abertura do curso de belas artes na capital fluminense. “Mas no fundo, o Bernardo almejava para Lídia o mesmo destino que tiveram as outras duas filhas, que foi o casamento, os filhos, etc. Ela, no entanto, deixava bem claro que não havia nascido para ser esposa e nem mãe”, conta a curadora.
Em meados da mesma década, viajou pela Europa, especialmente por Paris, onde recebeu influências do expressionismo e do surrealismo. “Acredito que nessa época, ela até tenha tido acesso ao pintor espanhol Pablo Picasso. Por ser uma mulher muito rica, sem sombra de dúvidas, ela tinha condições de freqüentar os mesmo locais onde a “nata” da sociedade parisiense costumava ir”.
Casamento relâmpago – No início dos anos 30, Lídia retornou à Campo Grande definitivamente. “O pai achava que ela já estava dando muito trabalho, em razão dessas andanças de Lídia pelo mundo. Além disso, ele não havia desistido da idéia de fazê-la casar, isso porque, nessa época, a pintora estava prestes a fazer 30 anos.” Nessa época, Lídia revelou contar com outros talentos além da pintura, e conforme Janine, chegou até mesmo a gravar um disco e a encenar peças teatrais, juntamente com suas irmãs.
Em 1938, Lídia Baís enfim cedeu aos desejos do pai e aceitou se casar com o advogado paulista Arthur Vasconcelos. Mas, com um detalhe: ela alterou seu ano de nascimento para 1910, fazendo todos acreditarem que na época do casamento, estava com apenas 28 anos e não com 38, na verdade. “Esse foi um gesto de pura vaidade”, comenta Janine. Os que acompanharam a história da artista até aqui, podem até ter estranhado o fato de ela ter cedido às pressões da família e ter se casado. Porém, quinze dias após a cerimônia, o casamento foi desfeito. “Além de não haver consumação, outros motivos como o alcoolismo e o excesso de autoridade do marido levaram à anulação do casamento. Para Lídia, o importante era ser feliz da maneira dela”.
Profecia – Após a morte de Bernardo Franco Baís, a família mudou-se do sobrado da Afonso Pena e foi viver em uma casa na esquina da Rua XV de Novembro com a antiga Rua do Padre, hoje, chamada de “Travessa Lídia Baís”. Em 1958, enviou uma carta ao prefeito de São Paulo, Ademar de Barros, solicitando apoio financeiro para a criação de um museu em homenagem à família Baís, que tantas benfeitorias fez à Capital de MS.
Lídia faleceu em outubro de 1985, em razão de um tombo, que a deixou enfraquecida. Muito antes disso, já apresentava sinais de desânimo e desinteresse pela vida, e por isso se isolou, preferindo a companhia de seus animais, e certamente, de sua solidão. Polêmicas à parte, o trabalho de Lídia é hoje admirado não apenas pelos campo-grandenses e sul-mato-grossenses, como também por pessoas vindas de fora. Seus quadros e painéis podem ser vistos tanto na Morada dos Baís e no museu Lídia Baís, quanto no Museu de Arte Contemporânea (MARCO). Neles é possível identificar o divino, o belo, o surreal, o profano. “Por minha causa vocês vão ficar na história”, dizia a artista aos seus familiares. A profecia se concretizou.
Conheça um pouco da arte de Lídia Baís neste vídeo: