Desde a zero hora desta segunda-feira, dia 8, a fronteira entre a Bolívia e o Brasil voltou a estar bloqueada porque simplesmente os golpistas – cinicamente imbecis e arrogantes – vêm apostando no quanto pior melhor. Só que não: a imensa maioria do Povo Boliviano (maiúsculas, por favor!) vive de seu trabalho diário, pois não tem renda paralela nem dinheiro em paraísos fiscais, como as fami(g)lias de Luis Fernando Camacho (famigerado ‘¡Qué Macho!’, entronizado como governador de Santa Cruz), de Jorge ‘Tuto’ Quiroga (ex-vice de Banzer), de Jorge ‘Bombón’ Reyes Villa (bonitinho mas ordinário) e de tantos outros oligarcas ligados às narcoditaduras de Hugo Banzer Suárez, Alberto Natusch Busch e Luis García Meza Tejada.
Não é novidade o acintoso desprezo desses oligarcas pelo povo trabalhador da Bolívia, que, faça chuva ou faça sol, todos os dias acorda às três horas da madrugada para iniciar a jornada que só encerrará às nove horas da noite, sem hora para comer ou desfrutar de seu merecido lazer. A melhor demonstração disso é o município vizinho de Corumbá, Puerto Quijarro, que vem crescendo diuturnamente graças à população que veio para esta fronteira como ‘relocalizados’, a partir da década de 1980, quando era ministro da Economia o pseudoboliviano Gonzalo ‘Gony’ Sánchez de Lozada (que, como seu ex-vice, Carlos Diego Mesa Gisbert, não tem graduação nenhuma, embora em seu currículo oficial ostente ser bacharel em Filosofia, só que de para-choque de caminhão).
Por conta da reforma de Gony (de inspiração neoliberal, de autoria de Jeffrey Sachs, o mesmo da reforma capitalista da Polônia de Lech Wallesa), em 1985, para felicidade do nefasto ‘Tio Sam’, tudo foi privatizado na Bolívia, até a água encanada (tanto que o ex-presidente Evo Morales ganhou visibilidade na Guerra da Água, de Cochabamba, quando a população cochabambina se revoltou contra os péssimos serviços e os aumentos constantes da concessionária multinacional, rebatizada por lá como ‘Aguas del Illimani’). À exceção de Hernán Siles Suazo, Juan José Torres, David Padilla Arancibia e (toc-toc-toc!) Jaime Paz Zamora (o ‘toc-toc-toc’ é por conta da aliança feita com o ditador Hugo Banzer Suárez), todo presidente do período chamado de ‘republicano’ sempre padeceu de uma ‘queda’ pelos inquilinos da Casa Branca.
Aliás, ‘democrata’ ou ‘republicano’, todo presidente estadunidense, desde os tempos da Doutrina Monroe (que nada tem a ver com a atriz Marilyn, mas com o presidente James Monroe, da década de 1820, que proclamara “A América para os americanos”, ou seja, para eles, não para todos nós), é igual à águia que ostenta o seu brasão: estão à espreita para fincar suas garras sobre as riquezas dos demais países do continente que tirou a Europa da fome e ensinou os europeus a tomar banho todos os dias. Foi o que aconteceu na gestão da golpista Jeanine Áñez na Bolívia, e em tantos outros golpes ocorridos não só no agora Estado Plurinacional, como em quase todos os países da América Latina. Inclusive a ‘colaboração’ do Departamento de Justiça dos Estados Unidos à Operação Leva Jeito (dos atuais pré-candidatos Deltan Dallagnol e Sérgio Moro, de triste memória), além da ‘visita’ do então vice-presidente Joe Biden ao seu colega Michel Temer, em 2015, por conta do não da ex-presidenta quando dos leilões do pré-sal e da formação dos BRICS (bloco do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), as verdadeiras causas do golpe contra Dilma Rousseff em 2016.
Pois é. Eles agora estão de olho, no território boliviano, nas incomensuráveis reservas e nas jazidas de lítio, o minério mais cobiçado do mundo na atualidade (matéria-prima para a indústria cibernética de alta tecnologia), além das reservas de gás natural e de petróleo, nada desprezíveis. A saída de cena do mauricinho argentino Macri e do pinochetista chileno Sebastián Piñera (em processo de impeachment pelo congresso de seu país), debilita ainda mais a trupe Bolsonaro-Trump. Não é de hoje que aliados dos golpistas de 2019 vivem se jactando que o atual inquilino do Planalto (que vai mal nas pesquisas de avaliação do atual governo) vai pavimentar a ascensão (sic) de ‘¡Qué Macho!’ ao Palácio Quemado, em La Paz. Até porque foi explícita a participação de emissários ligados aos filhos do capitão no terror movido a ‘matocicletas’, conhecidos por “matoqueros”, conforme inquérito da Fiscalía General del Estado Plurinacional (equivalente, no Brasil, à Procuradoria-geral da República).
Além de não saberem jogar xadrez, os golpistas demonstram ser péssimos no carteado, com sucessivos blefes. Nos primeiros dias desta tentativa de ‘lockout’, os cínicos (com ‘n’, por favor!) de Santa Cruz de la Sierra já sofreram baixas inimagináveis: empresários do transporte rodoviário (em sua maioria brasileiros) e dirigentes departamentais (como os do Beni e Tarija) disseram que neste momento precisam trabalhar e pôr as contas em dia, por conta dos prejuízos causados pela pandemia. Em outras palavras, a legenda do segundo colocado nas eleições presidenciais, a “Comunidad Ciudadana”, de Carlos Mesa, deixou a aventura e dá uma demonstração de racionalidade ante o momento de retomada da economia boliviana. Para não ficarem feios na foto, Tuto Quiroga e Bombón Reyes Villa começam a realizar reuniões internas para demover os mais exaltados de suas agremiações.
Obviamente, as ratazanas que vivem do ilícito, da contravenção e do crime em faixa de fronteira não querem abrir mão de seu ‘ganha-pão’ e teimam levar adiante o ‘lockout’ natimorto. Os cínicos desta região estão numa verdadeira encalacrada, por terem perdido as eleições em Puerto Quijarro, atualmente administrado pelo mesmo partido do Presidente Luis Arce Catacora, o Movimiento Al Socialismo (MAS). Se o ‘lockout’ for interrompido, ficarão desmoralizados perante seus apoiadores. Mas se a tentativa de golpe travestida de ‘lockout’ se esvaziar, pior para eles, que nem moral terão frente ao lumpesinato que dizem representar (sabe-se que parasitas são iguais às moscas, cada qual por si, sempre atrás de carniça e que se danem os seus assemelhados).
*Ahmad Schabib Hany