Campo Grande (MS) – Que as mulheres são a maioria da população de brasileiros, tem tido menos filhos, ocupado cada vez mais espaço no mercado de trabalho e, atualmente, muitas são as responsáveis pelo sustento das famílias, todos nós ou quase todos já estamos cansados de saber.
Segundo dados do IBGE, no Brasil, são cerca de 103,5 milhões de mulheres, o que corresponde a 51,4% de todos os cidadãos. Contudo, o que muitos desconhecem ou ignoram é que em algumas áreas a participação feminina ainda é muito pequena.
No campo científico, um levantamento da Unesco apontou que apenas 28% dos conjuntos de pesquisadores no mundo são mulheres. Percentual que avaliado clinicamente sinaliza que nas ciências as mulheres ainda são poucas e em algumas áreas são quase nulas.
Formada pela renomada instituição, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, a pesquisadora da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), especialista em doenças de plantas nas áreas de frutas e hortaliças, Olita Salati relata que viver da pesquisa requer como num experimento de sucesso dois componentes básicos: conhecimento e ambiente favorável.
“Aqui, no Cepaer [Centro de Capacitação e Pesquisa], a pesquisa funciona a partir dos projetos que elaboramos. Das aprovações em editais que angariamos fundos para a execução das atividades. Em representatividade de gênero, temos um ambiente igualitário, em que homens e mulheres estão meio a meio”, afirma.
“Por onde passei nunca senti resistência por ser mulher. Talvez, porque na área em que atuo as pessoas tenham interesse em meu conhecimento, ou seja, é um público que quer ouvir o que eu tenho a dizer”, explica.
Pesquisa e produção
No Cepaer, um dos papéis dos pesquisadores é prestar atendimento aos extensionistas da instituição e agricultores familiares. “Na área da pesquisa, no campo, representamos o governo do Estado. Prestamos serviços relevantes ao setor produtivo, pois somos incumbidos de desenvolver experimentos que aponte quais as cultivares [espécies] que são mais indicadas para os diferentes tipos de solo e clima do Estado”, explica.
Conhecimento que faz a diferença no controle de pragas nas lavouras. “Recentemente, desenvolvi com um colega [Thor Fajardo] da Embrapa um estudo no combater certos tipos de doenças em uvas. Uma cultivar de goiaba que desenvolve bem em Minas Gerais ou Goiás pode não adaptar as condições de Mato Grosso do Sul. Da mesma forma, acontece em regiões distintas do Estado, como Pantanal, Campo Grande e no Itamaraty [assentamento]”.
“Temos a missão de avaliarmos quais plantas são as mais favoráveis para cultivo no Estado. Com os dados em mãos, os produtores podem tomar decisões e competir no mercado consumidor”, observa Olita.
Além de contribuir com a agricultura familiar, muitas pesquisas de Olita tem destaque em congressos pelo País. A citar a pesquisa da uva que no ano passado foi apresentada na 39º edição do Congresso Paulista de Fitopatologia, em Piracicaba, São Paulo.
“A mulher troca pneu, exerce tarefas de casa e tantas outras funções. Não há porqwue ter distinção de gênero. Se somos minoria no meio é possível uma reversão”.
Aprendizado precoce
Mudanças que ela acredita que devem iniciar ainda na infância. Como típica estudiosa, Olita é guiada por fatos e não crenças e vê na sua base familiar uma das razões que a despertou para o universo investigativo da pesquisa.
“Meus tios paternos eram na maioria médicos ou professores, da Unesp ou Esalque, em agronomia. Brinquei como toda menina, mas lembro de um tio e um primo mais velho que mexiam com pesquisa e levavam eu e os primos menores para conhecer seus laboratórios e participar de certo experimentos”, lembra.
Como toda boa criança, Olita era curiosa, fato despertou o seu olhar para um mundo até então desconhecido: a ciência. “Tive a sorte de ter bons exemplos na família. Minha tia paterna foi a quarta mulher a se formar em agronomia na Esalq. Hoje, ela está com 92 anos. Acredito que a família deve incentivar as crianças, mas sem forçar”.
Caminho que ela e o marido, engenheiro agrônomo, buscaram replicar. “No período em que fizemos doutorado, dois de nossos filhos nos ajudavam com simples tarefas como organizar papéis. Eles eram crianças, mas já era um modo de mostrarmos o nosso mundo. Hoje, dois são médicos, uma fisioterapeuta e uma formada nas artes”.
Conciliar casa e ciência nunca foi segredo para Olita. “Se tenho que viajar ou ir a Cepaer, no sábado ou domingo, para colher frutos, meu esposo entende. Ter um companheiro bacana como tenho faz a diferença na vida familiar e profissional”, conta.
E se a vida de Olita fosse um experimento, certamente, seria a prova fiel que para mais e mais mulheres se aventurem no mundo científico é necessário um primeiro passo: incentivo.
Quebrando padrões: igualdade entre os gêneros
Para a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento de Violência, da Subsecretária de Políticas Públicas Para Mulheres, da Sedhast, Rosana Henkin, esse suporte vem antes mesmo do período escolar na escolha de brinquedos feita pelos pais. “Meninos e meninas precisam ser educados da mesma forma e isso começa com os brinquedos. As meninas tem o direito de brincar tanto de boneca como de bola e carrinho”, ilustra.
Segundo Henkin, mais do que diversão, os brinquedos preparam a criança para a vida adulta. “Menino pode brincar de boneca. Isso o incentiva a ser bom pai e meninas que brinca de carrinhos pode ter mais facilidade na questão da sua imagem, independência no ir e vir e até mesmo na segurança de tirar sua CNH”.
E as influências não param por aí. Pequenos hábitos criam a valores que podem influenciar os pequenos no modo de interpretar o mundo que o cerca. A escolha da cor do quarto serve de demonstração, explica à estudiosa. “Aprendemos desde cedo a decorar o quarto dos meninos de azul e das meninas de rosa. Isso é muito simbólico, ou seja, os meninos de tanto contato com o azul crescem e no simples ato de sair de casa, olha para o céu e já se sente pertencente aquilo ali. É como se no inconsciente deles houvesse ‘esse mundão é meu’. Já a menina que cresce exclusivamente no rosa pode sofrer o oposto e sentir a falta do seu ‘mundinho’ cor de rosa’”, analisa.
A alternativa seria os brinquedos. “Jogos de montar, legos e quebra-cabeça, e livros são um complemento às bonecas. Há muitos livros, inclusive, as releituras de contos de fadas, em que a personagem é protagonista de sua história e já não depende mais alguém para protegê-la”, evidencia.
Já na vida escolar, os educadores teriam papel complementar. “A escola pode reproduzir ou mudar valores. Um caminho é ensinar disciplinas como história, matemática e filosofia citando também bons exemplos de figuras femininas que contribuíram com a área. Levar os alunos aos laboratórios também é uma opção”, afirma Rosana.
Incentivos parecidos que a pesquisadora Olita recebeu quando menina. “Lembro que quando ia ao laboratório, do meu tio e do meu primo, havia uma interação entre a gente. Eles comentavam certas coisas e a gente participava. A família tem esse papel de apresentar os caminhos às crianças. Atitudes que fazem a diferença”.
O resultado são mulheres como Olita que ao se enveredarem em pesquisas fazem da data, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, uma quebra de padrões. Tanto que os dados divulgados pela Fundect apontam para um quadro positivo no Estado. Em 2014, dos 1.387 projetos aprovados pela instituição, 615 tiveram mulheres a frente da coordenação, o equivalente a 44% do total de trabalhos aceitos.
“A chave para a mudança está no comportamento dos pais. De nada serve brinquedos educativos sem o bom exemplo dentro e fora de casa. Os pais devem ensinar valores iguais para filhos e filhas, só assim homens e mulheres terão um ambiente igualitário para desenvolver suas potencialidades”, conclui Rosana.