Permito-me iniciar este texto lembrando que o Aniversariante nascera na manjedoura de um estábulo de um casebre em Belém, na Palestina milenar, porque os sábios Pais tinham noção do perigo que representava a perseguição anunciada por Herodes aos que viessem a nascer. Não podia ter nascido; se nascesse, era para não deixá-lo crescer; se crescesse, era para ser silenciado; se saísse do cerco mortal, era para ser vilipendiado; se evadisse da condenação do império em conluio com os sumos rabinos, era para ser injuriado, judiado. Foi: sua condenação, seguindo a lei do império romano, foi exarada por Pilatos atendendo à denunciação caluniosa de Anás e Caifás.
Dois milênios depois, e o que vemos? Não é o Menino Jesus, mas dezenas de milhares de crianças. Não são Anás e Caifás, nem Pilatos. É Benjamin Netanyahu com seus asseclas, apoiado e financiado por Biden e seus aliados da União Europeia, do Reino Unido e da OTAN. E a garantia de que seu sucessor, Trump, manterá o infanticídio sem qualquer comiseração. Em nome da ‘civilização’, do ‘deus mercado’ e dos ‘sagrados interesses’ de um ocidente infestado de crimes bárbaros.
Em sã consciência, chega a ser constrangedor fazer mensagem de boas festas quando, em plena luz do dia, são cometidos os crimes mais hediondos na face da Terra, seja no Oriente como em território sul-americano, inclusive no Brasil. Mas a gratidão por nossas Famílias e Amigos estarem desfrutando de saúde e ânimo para continuar a jornada, com fé na Vida, na Natureza, na Humanidade e na própria História, indistintamente qual seja a sua fé, religião, filosofia ou ideologia.
“A prática — e somente a prática — é o critério da verdade.” (G.B.)
As sábias palavras atribuídas a Gregório Bezerra, um valente nordestino perseguido pelos patrioteiros de 1964 por ser assumidamente comunista, parecem ter sido lapidadas para este funesto momento. Os cínicos ‘paladinos’ contemporâneos usam a fé (e a boa-fé de seus rebanhos!) para falsear a verdade. Para entorpecer a razão coletiva. E para isso hoje se valem da ‘bolha’, das ‘redes sociais’, da tecnologia, quando milênios atrás se valiam da rede de vassalagem do império romano e dos sumos rabinos aliados.
No tempo de Júlio César, Augusto e Tibério, de Antígono, Herodes e Pilatos não havia uso de ‘maquiagem’, de narrativa a serviço do império e do reino, como hoje Biden e Trump usam e abusam, em que Netanyahu e Erdogan também se lambuzam. Primeiro, porque na época de Herodes e Pilatos — ou de Augusto e Tibério no império, já no início de sua longa decadência — era importante atributo ser mau para ser temido (em vez de respeitado), não havia qualquer preocupação com a imagem de bom moço que hoje há. Mas, sobretudo, as urgências do império determinavam o uso puro da força para se manterem no poder.
Como? Uso da força bruta para tentar empurrar com a barriga a inevitável e nítida queda do império decadente não é novidade? Já se fazia naquele tempo. E como já disse o Velho Marx, que a história só se repete como farsa, Biden-Trump e sequazes em todo o mundo requentam um prato frio de milênios, tanto que o cerco a Damasco, semanas atrás, tratou-se de reedição de emblemáticas guerras ocorridas séculos passados em contextos diversos, e que usaram para, ‘com uma cajadada, matar dois coelhos’.
“Estou preso à vida e olho meus companheiros / Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças / Entre eles, considero a enorme realidade / O presente é tão grande, não nos afastemos / Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas” (C.D.A.)
O Poeta Carlos Drummond de Andrade, então jovem socialista, escrevera o poema “Mãos dadas”, pelos idos da década de 1940, de cujos versos retirei a citação. A iminência do fascismo e os horrores da guerra tornavam a juventude taciturna, daí porque ele convida a caminhar de mãos dadas. Este emblemático poema é de uma atualidade estonteante.
Três anos atrás, quando vimos que o fascista-mor travestido de fanta laranja era expulso da casa mal-assombrada sede do império decadente e perverso, nutríamos um tênue mas sincero — ainda que desconfiado, pois não padecemos da inocência pueril que compromete a quase totalidade daqueles que se dizem progressistas — sentimento de alívio e, por que não?, de esperança.
Mas os primeiros a traírem essa moratória da angústia coletiva foram os próprios beneficiários da oportunidade generosamente concedida pelos que insistem em crer na Humanidade, apesar de tudo, apesar dos insanos abutres que rondam nossas existências: os autointitulados democratas estadunidenses, os autoproclamados civilizados europeus e, pasmem, os cinicamente autodeclarados ‘eleitos’ de Deus! Nessa leva há, inclusive, os que de boa-fé embarcaram numa narrativa de que ser cristão é estar ao lado dos que acusaram Jesus de falso messias.
O nefasto sionismo, aliás, é o pivô desta quadra da História, da tragédia da humanidade em nossos dias, e quem o afirma não é apenas um mas quatro semitas que conhecem bem História que eles, sionistas, tentam apagar sob o recurso da narrativa, este ardil construído sob o argumento do ‘fim da história’ ou da ‘pós-verdade’, na última década do século XX. Trata-se de Shlomo Sand, Noam Chomsky, Michel Chossudovsky e Eric Hobsbawm. Cada qual com sua produção brilhante e iluminadora, fazendo luz sobre as trevas da inverdade, fomentada e alimentada, também, pela OTAN e seus vassalos.
“Minhocas arejam a terra; poetas, a linguagem.” (M.B.)
Manoel de Barros, nosso eterno Poeta, assim descobrira nos idos de 1980, quando escreveu o Livro de pré-coisas (1985). A grande sacada do Poeta é bem maior que a nossa medíocre compreensão de poesia, literatura e cultura nos permitem. Porque estéreis, inférteis, não são as palavras, a linguagem, mas nossa compreensão limitada de mundo, da própria Vida.
Revelado para o mundo por Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros soube traduzir como ninguém a fecundidade que gravita em nossa alma peregrina entre o autóctone e o cosmopolita, pois se embebedou nas águas mágicas do Pantanal em sua infância-juventude em nossa Corumbá de todas as culturas e matizes. Levou para a humanidade seu olhar de humilde sábio a descortinar horizontes generosos e instigantes, sorrateiros e andaluzes, não da nacionalidade mas de andarilhar luzes por onde há o cinzento desacalanto daqueles recalcados / desalmados que teimam em não ver o que a alma enxerga, sente e vive.
Nossa sociedade, tomada de negacionistas, terraplanistas, cristãos sionistas e neofascistas amarelados, saídos do armário sem qualquer constrangimento, precisa tomar um banho de amor, banho profundo de cultura com nossos melhores poetas, escritores e intelectuais generosos. A luz abre os caminhos do porvir pela cultura, que com a educação e a ciência fomenta a cidadania, princípio sobre o qual se fortalece uma nação. É a cultura o alicerce de uma nação, jamais o fanatismo religioso ou a patriotice alardeada por espertalhões baba-ovos dos saqueadores da humanidade que praticam ilicitudes sob o manto de uma proteção desavergonhada que vem dos tempos da colônia, do império, da escravidão.
“O mais feroz dos animais domésticos / é o relógio de parede: / conheço um que já devorou / três gerações de minha família.” (M.Q.)
É assim como o Poeta Mário Quintana registra sábia e criativamente o tempo, esse senhor cuja sentença grave e impávida determina a finitude de tudo e de todos. O célebre autor de “Poeminho do Contra”, que foi também um cronista memorável em prosa e verso, fez em sua pródiga e longeva existência uma ode à Vida, ao Amor e, sobretudo, à inesgotável capacidade de acreditar na espécie humana. A infinita irreverência de Mário Quintana nos convida a permanecer desassossegados ainda que os ‘donos do mundo’ se arvorem donos de nossa existência. “Todos esses que aí estão / Atravancando meu caminho, / Eles passarão… / Eu passarinho!” (M.Q.)
Sem perdermos a esperança e a sensibilidade, que 2025 seja ano de alento e resistência em que o Amor e o Companheirismo ensinado pelo Aniversariante de Belém triunfem para o bem de toda a humanidade. “Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.” (C.D.A.)
*Ahmad Schabib Hany