Racionalidade. Prudência. Paciência. Sobretudo, tolerância, muita tolerância. É disso que precisamos.
A imensa maioria da população demonstra gratidão e esperança com o início do Governo Lula (em maiúscula, justificado por seu compromisso com o Estado Democrático de Direito e a proteção social das amplas camadas em situação de vulnerabilidade social e econômica). Vejo, no entanto, com desconforto e tristeza as declarações extemporâneas e precipitadas de pessoas queridas, aguerridas, mas que não perceberam a gravidade e a complexidade deste momento, herdado de uma súcia, ou melhor, verdadeira alcateia de fascistas e suas hordas perversas.
Minha lúcida, sensata e saudosa Avó materna, senhora católica, de convicções sólidas e bastante observadora, teria se assombrado com a falta de coerência e sensatez dos ‘cristãos’ de meia pataca que integraram o governo de um mentiroso contumaz cuja prática consegue ser ainda mais contraditória. Devota do Menino Jesus, Dona Guadalupe, conectada ao mundo pela leitura de livros, revistas e jornais e pelo rádio, costumava repreender quem a tirasse do sério com expressões antológicas como esta: “Fiel serviçal do imperialismo ianque!”
A sabedoria de pessoas de gerações anteriores, como minha saudosa Avó, nos ensina que é possível conciliar a fé ou a ideologia com a realidade imediata. Embora o negacionismo tenha sido disseminado criminosamente nos últimos quatro anos, é possível fazermos um esforço para reverter esse processo, cujo impulso é artificial, ainda que a doutrina, mais que teologia da prosperidade, tenha encontrado adeptos entre pessoas simples, comuns e inofensivas que mudaram seu comportamento por causa das milícias digitais.
É hora de olhar para nosso entorno e ver, enxergar, pessoas abduzidas, hipnotizadas pela doutrina do inominável. Pessoas de boa índole que tiveram a sua alma usurpada, tomada pelas mentiras criminosas de uma quadrilha que se instalou no gabinete presidencial nos últimos quatros anos para disseminar o ódio, a mentira e um verdadeiro terço de falácias para criar um universo paralelo.
Será que essas queridas pessoas, de alma altiva e aguerrida, não se dão conta da política de terra arrasada que o fujão e sua corja de milicianos, contraventores e criminosos têm deixado, como minas terrestres em campo minado, que precisam ser desarmadas quanto antes?
Não me refiro às hordas desatinadas que teimam chafurdar nas imediações da caserna. E muito menos aos milhares de clubes de tiro criados nestes quatro anos pelo governo de ‘cristãos’, em vez de ter criado escolas, bibliotecas, polos de inclusão digital e internet, clubes de leitura, clubes de ciência, centros de diversidade cultural…
É apenas uma gota num oceano de atrocidades, de verdadeiros atentados em série feitos ao longo de quatro anos de desmandos administrativos, prevaricações sucessivas, atos e atentados ao Estado Democrático de Direito, leis inconstitucionais, portarias ilegais e muito mais.
Além do rombo (roubo?) de bilhões de reais deixados no rastro do insólito, do bizarro, do surreal, o fujão e seu séquito (e a familícia, obviamente) conseguiram prejudicar toda e qualquer tentativa de continuidade normal, como em toda transição administrativa a partir da vigência da Constituição de 1988.
A sabedoria de pessoas mais vividas, mais experientes, costuma ser baliza de critérios. É também por isso que o terceiro mandato do Presidente Lula, ante a complexidade de um momento adverso, precisa ser apoiado, em vez de criticado, logo por pessoas queridas que deram o melhor de si na resistência ao inominável.
Não é demais reiterar que, diferentemente dos dois mandatos anteriores, este mandato do grande estadista que o Brasil levou 500 anos para revelar à humanidade será de frente ampla. Não que seja uma reedição da Nova República, mas precisamos entender que não há como dizer o ministro X ou a ministra Y não nos representa. Quem representa o Governo de Reconstrução Nacional é o Presidente Lula, que teve o cuidado de compor um verdadeiro quebra-cabeça.
Caminhemos, pois, em consonância com o ensinamento octogenário do então jovem Drummond, cujos versos abaixo retratam bem este momento: “Estou preso à vida e olho meus companheiros / Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças / Entre eles, considero a enorme realidade / O presente é tão grande, não nos afastemos / Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.” (De mãos dadas, Carlos Drummond de Andrade, 1940.)
*Ahmad Schabib Hany