Movimento pró-Universidade Federal com sede em Corumbá

A despeito da onda de incredulidade e ceticismo que tomou conta de amplos setores da sociedade nestes pouco (ou nada) generosos tempos em que golpistas e equivocados se igualam na teimosia de enveredar na contramão da História, Corumbá, no dia 23 de junho último, ousou dar o primeiro passo rumo à implantação da Universidade Federal da Fronteira, ou Universidade da América do Sul – não interessa o nome, mas o seu altivo propósito de afirmar a vocação de polo cosmopolita e humanista irradiador e integrador da juventude desassossegada da América Latina, não só em território brasileiro, mas nos países sul-americanos que teimam em lutar por sua emancipação e seu protagonismo.

No contexto do cinquentenário de fundação do antigo Instituto Superior de Pedagogia – hoje Campus Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (CPAN/UFMS) –, a emblemática reunião pioneira contou com um reduzido, sim, número de pessoas de diversos segmentos sociais, mas com o explícito desejo de avançar efetivamente rumo ao século XXI, de cujos horizontes têm consciência de serem protagonistas. E, tão logo foi concluída, novas iniciativas nessa direção já foram tomadas, de modo a que, demore o tempo que necessitar, abram-se novos horizontes impregnados da generosa utopia cidadã para a população, sobretudo para a juventude inconformada e ansiosa de porvir e vanguardismo.

Não nos passa despercebido, obviamente, o contexto histórico adverso decorrente do golpe de maio de 2016 e das políticas restritivas priorizadas pelos gestores-serviçais de plantão, no entanto, é vital ousar construir um projeto generoso para as novas gerações. Mais que uma instituição de ensino, pesquisa e extensão de nível superior, trata-se do resgate do papel histórico desta porção do território sul-americano, e, sobretudo, dos povos irmãos que a povoam, com ênfase para sua juventude. Em vez de contabilizar perdas de jovens para os descaminhos da falta de perspectivas, precisamos, com sinceridade e determinação, oferecermos caminhos de superação e empoderamento.

Assim, sob a coordenação do diretor do Campus Pantanal, Professor Doutor Aguinaldo Silva, a fala inicial coube ao deputado federal e ex-governador Zeca do PT, que fez uma breve explanação sobre como a proposta de implantação de uma Universidade da Fronteira ou Sul-Americana em Corumbá teve sua gênese, quinze dias antes, quando de uma visita sua e do deputado federal Vander Loubet a instituições de pesquisa e apoio técnico à agricultura familiar: nas ruas, por meio de alguns interlocutores entre os quais o histórico ativista cultural Arturo Castedo Ardaya, membro fundador do Pacto Pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá, de 1995), fazendo questão de observar que não há proposta pronta e acabada e que caberá à comunidade acadêmica e sobretudo à coletividade local a palavra final daquilo que seja prioritário para Corumbá, Ladário e todo o Pantanal, enquanto porção territorial transfronteiriça.

Presente à reunião, o deputado federal Vander Loubet, que acompanhou o ex-governador Zeca, deu pormenores da destinação de dois milhões de reais de sua cota das emendas parlamentares para o desenvolvimento da agricultura familiar na região, tendo também detalhado alguns contatos feitos com membros da UFMS e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), em relação à proposta ora em discussão. Tão logo foi aberta a palavra para a plenária, o Professor Doutor Ronny Machado de Moraes, do curso de Psicologia, inquiriu o deputado Zeca, a propósito de notícias sobre o esquema de propinas da JBS ter-se iniciado em Mato Grosso do Sul, durante o seu mandato de oito anos à frente do Executivo estadual, e questionando ainda a iniciativa de uma Universidade Federal com sede em Corumbá como jogada eleitoreira, comparada à proposta de um ex-senador cassado de criar a Universidade Federal do Pantanal, projeto eivado de incoerências que naufragou antes da cassação do mandato do referido parlamentar.

Embora o deputado Zeca esclarecesse didaticamente sobre as contradições dessas notícias, mais duas intervenções nesse sentido – a do Professor Doutor Ilídio Roda Neves (também do curso de Psicologia) e do recém-graduado em História Miguel Lúcio Rocha (provavelmente a mais contundente delas) – atestaram o caráter democrático do encontro. Em outros tempos (com parlamentares ligados à casa grande), intervenções como essas teriam sido censuradas e os autores rigorosamente admoestados, mas, fruto das transformações generosas da última década, o direito do embate cidadão não mais é alvo de punição, e ainda que posturas como essas não produzissem algo efetivo dentro do propósito da reunião, por outro lado, não produziram qualquer efeito contrário.

Como contrapontos espontâneos, ficam as sábias ponderações do estudante de Ciências Humanas do programa de Educação no Campo da UFGD Sebastião Silva, morador da agrovila do Assentamento Taquaral há trinta anos, em Corumbá, e do incansável ativista cultural Arturo Ardaya, ambos no sentido da oportunidade de que sejam feitos investimentos nas transformações há tanto acalentadas pelas camadas populares de nossa região. Nas palavras do Professor Doutor Waldson Correa Diniz, presidente da seção sindical local da ADUFMS (Sindicato dos Docentes da UFMS), em sua intervenção ao deputado Zeca, Corumbá e sua juventude teimam acreditar em transformações no âmbito das instituições, sobretudo advindas da política brasileira, razão pela qual ele, como docente graduado na própria instituição, fez questão de estar presente para conhecer detalhes da proposta.

Atrevo-me concluir com minha opinião, deixando a provocação cidadã de que, antes de atirarmos pedras – um dos esportes cativos das elites bizarras de nossa região –, ouçamos, debatamos, contraditemos e, enfim, contribuamos dialeticamente na perspectiva da História, permitindo que as novas gerações possam, em meio à balbúrdia do atraso a se multiplicar como bactérias, dispor ao menos a possibilidade de contar com novos horizontes, abertos e generosos, frutos de uma Universidade pública, aberta e de vanguarda. É o mínimo que, pelo menos minha geração, pretende para o(a)s que vierem depois de nós.

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