Se de repente alguém lhe pedisse para definir o que a música significa para você em apenas algumas palavras, aposto que seria muito difícil, certo? Uma música pode nos fazer lembrar fatos antigos, amores passados, épocas distantes. Ela pode nos deixar felizes, irritados, tristes, melancólicos, animados. Ela, inclusive, faz com que mexamos o nosso corpo conforme o seu ritmo.
A música, diferente de fatores como alimentação e genética, aparentemente nada tem a ver com a evolução humana e, ainda assim, ela consegue mexer significativamente com o funcionamento do nosso cérebro, incluindo a parte responsável pelo nosso lado criativo. Estudos recentes informam que a música ativa o núcleo “accumbens”, a mesma área do cérebro responsável pela liberação de dopamina, substância de prazer emitida durante um beijo ou durante uma refeição que nos agrade.
Mas neste artigo em particular conto em breves linhas a história de quem hoje paulatinamente vive da música. Seu nome Leonardo Bugalu. Ele morou dos 10 aos 15 anos na instituição religiosa Comunitá Encontro, na Bolívia. Chegou a aquela localidade seguindo os trilhos de Corumbá a Santa Cruz de La Sierra, deixando para trás um lar que ele considerava desestruturado e infeliz. Pequeno e de tenra idade por nem ter completado uma década de vida, andou pelas ruas da cidade, sem ter onde se alimentar ou ter guarida. Por aproximadamente um ano passava seus dias incertos e na rua, sobrevivendo do amparo de pessoas que se compadeciam.
Num determinado dia Leonardo conheceu um padre que o levou a comunidade, que ajudava pessoas no mundo todo, normalmente quem tinha problemas com álcool, drogas ou menores abandonados. Na instituição, teve a grata oportunidade de conhecer um pouco do mundo, viajando pela Itália, Espanha, Costa Rica, Bolívia, Chile e Peru. Onde ficavam as sedes da intuição. Por pouco não seguiu o caminho do sacerdócio. Até que certo dia resolveu visitar a mãe que morava em Corumbá e se desligou da instituição. Hoje além do violão de sete cordas, Bugalu toca cavaquinho, bandolim, contrabaixo e guitarra.
Com o avanço da tecnologia, conseguimos alcançar novos resultado e descobertas. Desde os anos 90, com os adventos da tomografia, ressonância magnética e neuroimagens, estudos sobre a resposta do cérebro a certos estímulos, em tempo real, se tornaram possíveis e proliferaram. Nas últimas décadas diversos neurocientistas consagrados publicaram livros e ensaios neste campo, ajudando a elucidar a nossa curiosidade. Estes avanços permitiram resultados promissores no uso da música para fins terapêuticos, tanto em casos de deterioração neurológica, como demência e Parkinson, ajudando a criar novas conexões neurais, quanto limitações cognitivas em crianças com autismo ou dislexia, ao influenciar nos níveis de cortisol.
Diferente do que muitos pensam, a música não é simplesmente um produto cultural. Ela está muito mais arraigada em nosso DNA. É comprovado cientificamente que ela é universal a todo ser humano e um produto da nossa evolução. Por isso nosso humor é tão influenciável por ela, nos permitindo relaxar ou nos estimular.
Mas a trajetória de Leonardo Bugalu é um bom exemplo de como a música pode mudar destinos. Eu contei esta história ao próprio Leonardo e ele silente parece que foi revivendo cada palavra minha. Isso apenas me fez ter a certeza que a música vai além das teorias e ele transformou suas dificuldades e limitações em tons musicais e hoje caminha pelo estado com seu violão levando a emoção que de repente um dia lhe tiraram. A música mexe com o nosso cerne, nos identificando como seres humanos parte de uma sociedade. Música é ciência, é arte, é vida.
*Articulista