Precisamos ver com os olhos da fé a ligação entre o ambiente natural e a dignidade da pessoa humana, nos diz o Papa Francisco. E por que? Porque vivemos um momento sem precedentes de ameaça real à vida, ao futuro, às pessoas. Não é mais possível fechar os olhos para o nosso distanciamento da natureza e para o modo de viver adorando bens materiais. É do meio ambiente que tiramos todos os recursos para produzir objetos que tanto achamos que desejamos ter. É poluindo e degradando o meio ambiente que produzimos coisas que rendem dinheiros para alguns e status ilusório de inclusão para muitos. É assim que aumentamos a temperatura do planeta em que vivemos, ano após ano, sem sequer darmos atenção a essa insanidade de destruir tudo que necessitamos para estarmos vivos. Por isso, temos que nos unir para o maior desafio coletivo que a humanidade não pode se negar a enfrentar, as mudanças climáticas. A Encíclica do Meio Ambiente ergue as dimensões morais da crise dessa nossa civilização, guiada por interesses econômicos e forjada na alienação de suas responsabilidades, não vencemos desafio algum sem encarar essa realidade.
A sociedade de consumo é um sucesso da economia que nos custa muito caro, pagamos todos nós o preço do fracasso de sermos uma espécie que involui. Produz, vende, compra, joga fora o que comprou, estimula o desperdício, programa o fim das coisas para produzir mais, vender mais, comprar mais, inventa necessidades desnecessárias, cria importâncias desimportantes. Não tem um pingo de ética em nome do lucro, sobrevive da desigualdade social que mantém ricos e pobres em seus lugares distintos de ser servido e servir.
Pôxa, somos seres únicos, com cérebro altamente desenvolvido, capacidades variadas, como a linguagem, o raciocínio abstrato, a resolução de problemas e o livre arbítrio, com sentimentos e empatias. No entanto, reduzimos nossa elaborada capacidade de comunicação a abreviações e símbolos simplórios, sufocamos abstrações com padrões aos moldes dos mercados, criamos problemas, expressamos sentimentos por objetos da moda e estranhos famosos, nem sabemos mais o que é empatia. Estragamos tudo…
A inciativa do Papa é tão íntegra e tão forte que deflagrou hostilidades de políticos americanos, antes mesmo do lançamento da nova encíclica. Óbvio começar nos Estados Unidos a hostilidade, é o berço da sociedade de consumo, a meca do consumismo e do marketing da boçalidade. Muitos líderes poderosos ainda vão criticar e tentar desmoralizar o apelo para cuidarmos melhor da vida, da natureza e dos seres vivos, incluindo nós. É que em outras palavras isso quer dizer mudar o modelo econômico desse crescimento sem limites, insustentável e em crise exatamente por ignorar o meio ambiente e as pessoas, para um desenvolvimento sustentável em que nós e a natureza existimos em todos os sentidos. E, olha, não pense que essa mudança é uma novidade, afinal, o paradigma da economia de consumo é não é obra do acaso, muito menos da natureza, é uma invenção humana que acelerou violentamente os impactos negativos do modo de produção desde a Revolução Industrial. Já há uns 200 anos nesse batidão, progressivamente pegando pesado, nos últimos tempos nos multiplicamos, não demos descanso, nos tornamos devoradores ainda mais rápidos, gulosos, vorazes, gananciosos.
Não é por causa de suas religiões que líderes políticos e empresariais manifestariam contrariedade com a nova encíclica. Eles são ricos e são caridosos, fazem doações para os pobres. O que incomoda na recomendação clara para cuidarmos do meio ambiente e das pessoas é que para os poderosos a fé não é maior que a confiança no dinheiro e sua prática não está acima da acumulação de bens materiais. Essa é uma verdade inconveniente, que revela como a criação divina viva no mundo não é respeitada nem valorizada diante do interesse econômico e como a exploração dos recursos naturais garante um paraíso na terra para egoístas, crentes sim em luxos e farturas.
A ciência das mudanças climáticas é clara, postou Ban Ki-moon [secretário-geral da ONU] no Linkedin. Nós já sentimos seus efeitos, que não afetam a todos nós de forma igual, e seus impactos ainda vão se intensificar. Inundações, secas, tempestades, desertificação, acidez dos oceanos, escassez de água, migração de bichos e gentes. Tempo de adversidades e adaptações extremas. Hora dos grupos religiosos estarem esclarecidos e em harmonia com a Ciência, para o bem da Criação.
Ban comentava sua visita ao Vaticano, para o seminário a Proteger a Terra, Dignificar a Humanidade, em abril. “Alcançar dignidade para todos deve ser a força condutora por trás dos principais eventos” em 2015 sobre desenvolvimento e clima, como o encontro em setembro, na sede das Nações Unidas em Nova York, “ainda mais histórico com a mensagem especial do Papa Francisco aos líderes mundiais” e a COP 21 para o “acordo climático universal e significativo” em dezembro, em Paris. “A mudança climática é uma questão moral. É uma questão fundamental de justiça social, direitos humanos e ética. Se não for controlado o curso atual das mudanças climáticas, a vida na Terra como a conhecemos vai ser alterada. Quaisquer que sejam suas crenças religiosas, isso é moralmente indefensável. Não podemos deixar que aconteça.”
O que o Papa Francisco vem nos pedir com a Encíclica do Meio Ambiente é que olhemos para o que estamos fazendo, para as nossas escolhas cotidianas pessoais e profissionais, e cuidemos melhor da natureza, da vida, das pessoas. Se para os religiosos tudo que está vivo por aqui é fruto de criação divina, então, é um apelo bastante lógico para qualquer religião. Para os líderes políticos e mundiais, que acessam estudos atuais e projeções científicas, mas, não tomam decisões ousadas e efetivas, é um pedido enfático para que ajam com ética e justiça. É um convite para todos nós, super oportuno, para inspirarmos corações e mentes para a sustentabilidade. E alicerça os caminhos, literalmente, para a nossa salvação.
(*) Beatriz Carvalho Diniz, Criativa de Eco Lógico Sustentabilidade, conteúdo produzido com amor, sem fins lucrativos, desde 2009. Consultora de Comunicação e Sustentabilidade.