“A terra dá, a terra quer” é o título de um dos livros de Nêgo Bispo, lançado em 2023, mesmo ano em que o intelectual e ativista ambiental piauiense completou sua passagem terrena, deixando este plano no dia 3 de dezembro. Um dos maiores pensadores negros dos Brasil, Nêgo Bispo lançou o livro em Belo Horizonte, no Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, comunidade quilombola e espaço de religiosidade de matriz africana considerada Patrimônio Cultural do Estado de Minas Gerais – entidade referência e grande parceira do Bloco Seu Vizinho. Celebrando o legado de Nêgo Bispo e a urgência da conscientização e do debate sobre o meio ambiente em seus diversos âmbitos, o bloco homenageia a obra do piauiense elegendo seu título como tema do cortejo deste ano, que acontece no dia 10 de fevereiro, sábado de Carnaval.
Foto: Meada Filmes / Divulgação
A agremiação carnavalesca formada no Aglomerado da Serra se concentra às 11h, com saída prevista para 12h, na Avenida Mem de Sá, na altura do número 1.882, na região do “Canão”, divisa entre Vila Fazendinha, Aglomerado da Serra e bairro Santa Efigênia. Com público estimado de 50 mil pessoas e provável duração de cinco horas, o cortejo vai até a Rua Maria Carmem Valadares, também no Santa Efigênia.
O projeto “Bloco Seu Vizinho — Carnaval 2024” é patrocinado pela Cemig, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Minas Gerais, e pela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Belotur. Realização da Associação Sociocultural Seu Vizinho e do Governo de Minas Gerais — Governo diferente, Estado eficiente.
Tema do desfile de 2024
Escolhido de forma democrática em uma reunião geral do bloco, chamada de “Papo Reto”, o tema “A terra dá, a terra quer” foi dividido em três eixos, que dialogam com os participantes Seu Vizinho em diferentes esferas: elementos da natureza, lixo e materiais recicláveis, e mineração da Serra do Curral. “No âmbito local, é um assunto que conversa muito com a realidade do Aglomerado, uma comunidade fundada na encosta da Serra do Curral, entre o Parque das Mangabeiras e a Mata do Hospital da Baleia. É uma região em que havia muitas nascentes que, antigamente, davam nomes aos territórios”, afirma Paulo Vitor Ribeiro, o PV, um dos fundadores, regentes e gestores do Seu Vizinho, que também atua como associação comunitária durante todo o ano.
“Hoje, a comunidade vive o desafio do descarte adequado de lixo. A demanda é maior do que a coleta. Faltam soluções para acondicionamento adequado dos resíduos e para a retirada de lixo nos becos, o que leva ao acúmulo de lixo a céu aberto, com possibilidade de proliferação de doenças. Além disso, não há coleta seletiva na comunidade, que é uma das maiores favelas do Brasil. Outra questão marcante é a mineração da Serra do Curral, que está parada, mas que pode ser acionada se não tiver grande mobilização em defesa do território, o que coloca em risco a fauna, a flora e as pessoas moradoras. Também serão trabalhados no desfile os elementos da natureza, que buscamos preservar em sintonia com os orixás das religiões de matriz africana, visando também valorizar a cultura negra e combater a discriminação e a intolerância religiosa”, completa.
Para PV, deslocar a temática ambiental para o Carnaval é uma oportunidade de refletir sobre a realidade individual e coletiva, aproveitando toda a potência que a folia promove. “Uma vez entendido que é um assunto importante para a comunidade, vamos canalizar a energia e a visibilidade do Carnaval para curtirmos a festa e, ainda, provocar reflexões que possam reverberar em mudanças reais em defesa do meio ambiente”, sublinha.
“A missão do Seu Vizinho é construir com as pessoas do Aglomerado da Serra ações artístico-culturais que contribuam para processos de formação humana e de emancipação e que valorizem a negritude e a favela, combatendo as desigualdades territoriais, raciais, de classe, de gênero e geracionais no território. Neste sentido, o bloco é um projeto contínuo que atua com crianças, jovens, adultos e pessoas idosas, e que vai muito além do Carnaval. Portanto, trabalhar esse tema é dar sequência ao processo de formação humana e expandir os horizontes, indo além do estereótipo de favela (carência, pobreza, violência, drogas) e mostrando uma consciência, um posicionamento, uma crítica, uma reflexão sobre a realidade local em conexão com uma preocupação global”.
Mistura de gerações, homenagens e participações
Mantendo a tradição, o cortejo do Seu Vizinho começa, mais uma vez, com a benção das Vizinhas das Cantigas (VDC), grupo da terceira idade que participa das atividades do bloco ao longo do ano. “Elas cantam músicas autorais que foram compostas a partir desses encontros e gravadas em estúdio com participações de crianças, jovens e adultos em trocas intergeracionais muito ricas. Neste ano, a abertura contará com o boi bumbá”, adianta PV. “Hoje, eu divido a regência do bloco com Daniel Tubarão, de 17 anos, e Amandinha, de 19. Dois jovens que começaram na oficina de percussão do Seu Vizinho com oito e dez anos, respectivamente, e que atualmente são referência para pessoas de diferentes idades da bateria. O encontro intergeracional deixa a festa mais animada, alegre e leve, com um clima de paz, respeito, diversidade, ancestralidade e juventude”, completa.
Sobre as novidades do cortejo deste ano, PV adianta que haverá duas participações de reconhecimento nacional, ainda não confirmadas, além de muitos artistas da Serra que subirão no trio para fazer uma grande festa linda e diversa. “Além das atrações musicais no trio, são feitas apresentações surpresas no trajeto, aproveitando a arquitetura local em parceria com os moradores que cedem suas lajes e varandas para o espetáculo”, conta o regente e cofundador do Seu Vizinho, revelando concepções artísticas e momentos que estão por vir no desfile de 2024. “Na banda, na regência e na bateria, o figurino fará menção aos orixás e aos elementos da natureza, em sintonia com o tema. E, falando sobre repertório, haverá um momento especial em homenagem ao funk, direcionado a MC Marcinho, falecido no ano passado”, conta.
Fechada desde 2019, em busca de mais sintonia, socialização, dedicação, segurança e musicalidade, a bateria de ritmistas do Bloco Seu Vizinho é composta por surdos de 1ª, 2ª e 3ª, caixas, repiques, tamborins, chocalhos e agbês. O repertório inclui músicas autorais – como as já conhecidas “Serra Resiste” e “A Namoradeira” – e canções de 12 diferentes ritmos estilos que valorizam a cultura negra e periférica, entre eles o funk, o samba, o pagode, o rap e o pagodão baiano. O desfile é fruto de oficinas realizadas durante todo o ano, para moradores do Aglomerado da Serra e do “asfalto”, em que os instrumentos são emprestados aos participantes que não os possuem.
Sobre o Bloco Seu Vizinho
O Seu Vizinho surgiu em novembro de 2014 como um bloco de carnaval na Vila Marçola, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, uma das maiores favelas do Brasil. A proposta, desde o princípio, era fazer um carnaval acessível, coletivo, diverso e de resistência, que contribuísse para o fortalecimento das pessoas do território, em sua maioria negras, para a valorização da cultura e das potências da favela, e para a união da cidade. O lema do Seu Vizinho é “Todo Mundo Junto e Aglomerado!”.
Com o tempo, o bloco ampliou as ações no campo da arte, da cultura, da educação e do apoio socioassistencial às famílias da comunidade, e ainda buscou o crescimento do trabalho em rede com artistas, coletivos e outras organizações locais, ampliando sua atuação e impacto no Aglomerado da Serra.
Hoje, a Associação Sociocultural Seu Vizinho é uma Organização da Sociedade Civil (OSC) formalizada, sem fins lucrativos, que atua com Arte e Cultura como Formação Humana. Certificada como Ponto de Cultura pelo Ministério da Cultura e registrada nos Conselhos Municipais do Idoso (CMI) e dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), a Associação mantém uma sede com uma Biblioteca Comunitária, acesso à internet wi-fi, um estúdio musical para ensaios e espaços para atividades culturais na comunidade.
Ela também realiza oficinas artístico-culturais, o carnaval, eventos, formações profissionalizantes, entre outras ações. Além disso, possui uma Área de Apoio Socioassistencial para suporte na garantia de direitos das famílias. O público das ações inclui crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, principalmente moradores do Aglomerado da Serra, mas também pessoas de outras partes da cidade.
Cemig: a energia da cultura
Como a maior incentivadora da cultura em Minas Gerais, a Cemig segue investindo e apoiando as diferentes produções artísticas existentes nas várias regiões do estado. Afinal, fortalecer e impulsionar o setor cultural mineiro é um compromisso da Companhia, refletindo seu propósito de transformar vidas com energia.
Ao abraçar a cultura em toda a sua diversidade, a Cemig potencializa, ao mesmo tempo em que preserva a memória e a identidade do povo mineiro. Assim, os projetos incentivados pela empresa trazem na essência a importância da tradição e do resgate da história, sem, contudo, deixar de lado a presença da inovação.
Apoiar iniciativas como essa reforça a atuação da Cemig em ampliar, no estado, o acesso às práticas culturais e em buscar uma maior democratização dos seus incentivos.
BLOCO SEU VIZINHO
DESFILE 2024 | “A TERRA DÁ, A TERRA QUER”
Quando. Sábado, 10 de fevereiro – Concentração às 11h / Saída às 12h
Onde. Saída: Avenida Mem de Sá, número 1.882 (região do “Canão”) – Santa Efigênia / Dispersão: Rua Maria Carmem Valadares – Santa Efigênia
Estilo musical. Autoral, brasilidades, samba, funk, pagode, rap, pagodão baiano
Previsão de público. 50 mil pessoas
