No Brics, Lula aborda crise climática, taxação de super-ricos e guerras “com potencial de se tornarem globais”

Presidente brasileiro participou da cúpula por videoconferência após acidente doméstico sofrido no fim de semana; assista e leia discurso na íntegra

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez discurso, nesta quarta-feira (23), na Cúpula do Brics, em Kazan, na Rússia. Após acidente doméstico sofrido no fim de semana, o chefe do Executivo cancelou viagem e participou da reunião do grupo por videoconferência.

Luiz Inácio Lula da Silva

Lula discursa no Brics por videoconferência (Foto: Reprodução)

Em menos de sete minutos de fala, abordou temas como medidas contra crise climática, união internacional para redução de desigualdades sociais, taxação de super-ricos e guerras em andamento na Ucrânia, no conflito com a Rússia, e entre Israel e o grupo extremista Hamas na Faixa de Gaza (assista e leia mais abaixo).

Mudança do clima

Lula começou discurso agradecendo apoio recebido dos membros do Brics à presidência do Brasil à frente do G20. “Seu respaldo foi fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para a redução das desigualdades, como a taxação de super-ricos”, disse.

O presidente reforçou que a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza está “em fase avançada de adesões” e convidou outros países a participarem da iniciativa. Também afirmou que o Brics é ator “incontornável” em medidas para combater a crise climática.

Assista ao discurso de Lula no Brics, em Kazan (Rússia):

Nesse sentido, apontou que a “maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje”.

“É preciso ir além dos 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos. Os dados da ciência exprimem um sentido de urgência sem precedentes. O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva. Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio”, pediu.

Lula também falou da COP 30, marcada para 2025 em Belém (PA), e declarou que o Brasil, na posição de presidente do Brics, reafirma “vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países”.

“Não podemos aceitar a imposição de ‘apartheids’ no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da inteligência artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos”, criticou.

Críticas às nações ricas e “meios de pagamento alternativos” entre países

O petista ainda fez apelo para que países adotem acordos não excludentes, “em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados”. Após citar dados que evidenciam a grandeza do Brics – “mais de 3,6 bilhões de pessoas” e “36% do PIB global”, lamentou: “Fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas”.

Lula apontou que exportações brasileiras para países do Brics cresceram doze vezes em vinte anos, entre 2003 e 2023. “A Aliança Empresarial de Mulheres está criando redes para fomentar o empoderamento econômico feminino e combater as desigualdades de gênero que persistem”, completou.

O presidente também citou o Mecanismo de Cooperação Interbancária, que permite “linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas”.

O chefe do Executivo aproveitou a oportunidade para comentar o trabalho da colega ex-presidente DIlma Rousseff (PT), presidente do banco do Brics, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB).

“Conta atualmente com uma carteira de quase 100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares. Ele foi pensado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando. Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais. Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto”, descreveu.

Ainda sobre economia mundial, Lula pediu “criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países”. Mas disse que isso não significaria substituição de moedas nacionais.

“Muitos insistem em dividir o mundo entre amigos e inimigos. Mas os mais vulneráveis não estão interessados em dicotomias simplistas. O que eles querem é comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal e de qualidade. É um meio ambiente sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência. É uma vida de paz, sem armas que vitimam inocentes”, continuou.

Guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza

Na parte final do discurso, Lula lamentou as guerras entre Rússia e Ucrânia e Israel e grupo extremista Hamas, em andamento na Faixa de Gaza. “Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou ‘o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo'”, lembrou o líder brasileiro.

Sem citar Israel, afirmou que “essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano”. “Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia”, completou.

“No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns”, disse.

Leia o discurso de Lula no Brics:

Mesmo sem estar pessoalmente em Kazan, quero registrar minha satisfação em me dirigir aos companheiros do BRICS. Quero agradecer o apoio que os membros do grupo têm estendido à presidência brasileira do G20.

Seu respaldo foi fundamental para avançar em iniciativas que são cruciais para a redução das desigualdades, como a taxação de super-ricos.

Nossos países implementaram nas últimas décadas políticas sociais exitosas que podem servir de exemplo para o resto do mundo.

A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza já está em fase avançada de adesões.

Convido todos a se somarem à iniciativa, que nasceu no G20, mas está aberta a outros participantes.

O BRICS é ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima.

Não há dúvida de que a maior responsabilidade recai sobre os países ricos, cujo histórico de emissões culminou na crise climática que nos aflige hoje.

É preciso ir além dos 100 bilhões anuais prometidos e não cumpridos, e fortalecer medidas de monitoramento dos compromissos assumidos.

Os dados da ciência exprimem um sentido de urgência sem precedentes.

O planeta é um só e seu futuro depende da ação coletiva.

Também cabe aos países emergentes fazer sua parte para limitar o aumento da temperatura global a um grau e meio.

Na COP 30, em Belém, vamos juntos mostrar que é possível conciliar maior ambição em nossas Contribuições Nacionalmente Determinadas com o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas.

Na presidência brasileira do BRICS, queremos reafirmar a vocação do bloco na luta por um mundo multipolar e por relações menos assimétricas entre os países.

Não podemos aceitar a imposição de “apartheids” no acesso a vacinas e medicamentos, como ocorreu na pandemia, nem no desenvolvimento da Inteligência Artificial, que caminha para tornar-se privilégio de poucos.

Precisamos fortalecer nossas capacidades tecnológicas e favorecer a adoção de marcos multilaterais não excludentes, em que a voz dos governos prepondere sobre interesses privados.

O BRICS foi responsável por parcela significativa do crescimento econômico mundial nas últimas décadas.

Juntos, somos mais de 3,6 bilhões de pessoas, que integram mercados dinâmicos com elevada mobilidade social.

Representamos 36% do PIB global por paridade de poder de compra. Contamos com 72% das terras raras do planeta, 75% do manganês e 50% do grafite.

Entretanto, os fluxos financeiros continuam seguindo para nações ricas.

É um Plano Marshall às avessas, em que as economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido.

As iniciativas e instituições do BRICS rompem com essa lógica.

A atuação do Conselho Empresarial contribuiu para ampliar o comércio entre nós.

As exportações brasileiras para os países do BRICS cresceram doze vezes entre 2003 e 2023.

O BRICS é hoje a origem de quase um terço das importações do Brasil.

A Aliança Empresarial de Mulheres está criando redes para fomentar o empoderamento econômico feminino e combater as desigualdades de gênero que persistem.

Por meio do Mecanismo de Cooperação Interbancária, nossos bancos nacionais de desenvolvimento vão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas.

O Novo Banco de Desenvolvimento (o NDB), que neste ano completa dez anos, tem investido na infraestrutura necessária para fortalecer nossas economias e promover uma transição justa e soberana.

Sob a liderança da companheira Dilma Rousseff, o NDB conta atualmente com uma carteira de quase 100 projetos e com financiamentos da ordem de 33 bilhões de dólares.

Ele foi pensado para ser bem-sucedido onde as instituições de Bretton Woods continuam falhando.

Em vez de oferecer programas que impõem condicionalidades, o NDB financia projetos alinhados a prioridades nacionais.

Em vez de aprofundar disparidades, sua governança se assenta na igualdade de voto.

Agora é chegada a hora de avançar na criação de meios de pagamento alternativos para transações entre nossos países.

Não se trata de substituir nossas moedas. Mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional.

Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada.

Muitos insistem em dividir o mundo entre amigos e inimigos. Mas os mais vulneráveis não estão interessados em dicotomias simplistas.

O que eles querem é comida farta, trabalho digno e escolas e hospitais públicos de acesso universal e de qualidade.

É um meio ambiente sadio, sem eventos climáticos que ponham em risco sua sobrevivência.

É uma vida de paz, sem armas que vitimam inocentes.

Como disse o presidente Erdogan na Assembleia Geral da ONU, Gaza se tornou “o maior cemitério de crianças e mulheres do mundo”.

Essa insensatez agora se alastra para a Cisjordânia e para o Líbano.

Evitar uma escalada e iniciar negociações de paz também é crucial no conflito entre Ucrânia e Rússia.

No momento em que enfrentamos duas guerras com potencial de se tornarem globais, é fundamental resgatar nossa capacidade de trabalhar juntos em prol de objetivos comuns.

Por isso, o lema da presidência brasileira será “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”.

Companheiros, espero vê-los na próxima Cúpula para construir mais um capítulo da nossa história comum.

Muito obrigado presidente Putin e muito obrigado aos companheiros que estão em Kazan.

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