Nos últimos anos, a tecnologia se tornou uma presença constante no cotidiano das pessoas, especialmente entre crianças e adolescentes. No entanto, esse avanço trouxe consigo um fenômeno preocupante: a nomofobia, ou o medo irracional de ficar sem celular ou aparelhos eletrônicos. A dependência excessiva dessas telas está gerando novos desafios comportamentais, emocionais e educacionais, que exigem atenção urgente.
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Nomofobia: o medo irracional de ficar sem celular – Foto: Divulgação
O Ministério da Educação (MEC) recentemente lançou uma política que proíbe o uso de celulares em escolas. Embora a medida tenha como objetivo promover maior interação social e foco nos estudos, especialistas alertam para os possíveis impactos emocionais dessa transição. Para entender melhor essa questão, entrevistamos o professor Wilson Candido Braga, especialista em autismo e outros transtornos mentais em crianças e adolescentes, e autor de obras publicadas pela Paulinas sobre o tema.
A dependência de telas e seus efeitos – De acordo com o DSM-5, manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais da Associação Americana de Psiquiatria, a dependência de telas já é reconhecida como um transtorno comportamental. Essa condição não se limita aos adolescentes; ela começa cedo, muitas vezes em bebês que utilizam dispositivos eletrônicos como “chupetas digitais”.
“Quando nascem na era tecnológica, as crianças não têm modelos alternativos de comportamento em casa. Elas observam os pais constantemente conectados a seus celulares, o que desperta nelas um interesse precoce por esses aparelhos”, explica o professor Braga. Essa exposição precoce pode levar ao surgimento de problemas físicos, como lesões por esforço repetitivo (LER), antes associadas apenas a adultos. Hoje, é possível encontrar crianças com dedos e punhos travados devido ao uso excessivo de dispositivos touchscreen.
Além disso, há consequências neurológicas significativas. A luz azul emitida pelas telas ativa áreas do cérebro relacionadas ao prazer, proporcionando uma sensação imediata de recompensa. Esse mecanismo é semelhante ao de substâncias viciantes, levando à dependência comportamental. Quando privadas do acesso às telas, algumas pessoas podem experimentar sintomas de abstinência, como ansiedade, sudorese, taquicardia e até pânico – características típicas da nomofobia.
O impacto na escola – A proibição do uso de celulares nas escolas, embora bem-intencionada, pode gerar desconforto emocional em alunos que estão acostumados a depender desses dispositivos como forma de conforto e distração. “Vamos enfrentar situações em que adolescentes poderão apresentar crises de ansiedade ou surtos emocionais devido à ausência do celular”, adverte o professor Braga. Ele ressalta que, sem suporte psicológico adequado nas escolas, essas situações podem se intensificar.
Para lidar com esse cenário, o especialista defende a necessidade de oferecer serviços de psicólogos nas instituições de ensino: “É fundamental que haja profissionais capacitados para trabalhar questões comportamentais e ajudar os alunos a lidar com a abstinência digital. Isso permitirá que eles desenvolvam habilidades sociais e estratégias saudáveis para lidar com o afastamento das telas”.
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Professor Wilson Cândido Braga – Foto: Acervo Pessoal
Um problema familiar e social – Outro ponto crucial destacado pelo professor Braga é a responsabilidade das famílias nesse processo: “Se a escola proíbe o uso do celular, mas em casa os pais permitem que os filhos passem horas seguidas diante das telas, estamos criando um paradoxo. A mudança precisa ser conjunta”. Ele enfatiza que a dependência de telas está moldando uma nova geração de indivíduos imediatistas, ansiosos e até agressivos quando privados dessas ferramentas.
A nomofobia reflete um problema mais amplo: a substituição de atividades diárias reais pela ilusão de conexão virtual. Adolescentes deixaram de interagir pessoalmente, preferindo trocas superficiais mediadas por aplicativos. Com a proibição dos celulares nas escolas, existe a oportunidade de resgatar formas mais genuínas de comunicação e aprendizado. No entanto, isso também exige preparação tanto dos educadores quanto das famílias.
Perspectivas futuras – O professor Braga prevê que, nos próximos anos, veremos um aumento dos casos de nomofobia e outros transtornos relacionados ao uso excessivo de tecnologia. “Estamos criando uma sociedade hostil à espera e intolerante à frustração. As pessoas querem tudo mastigado, rápido e fácil, sem espaço para investigação ou reflexão profunda”.
Diante desse cenário, ele conclama pais, educadores e formuladores de políticas públicas a trabalharem juntos para encontrar soluções equilibradas. “Precisamos educar nossas crianças para usarem a tecnologia de forma consciente, sem que ela domine suas vidas. A escola tem um papel central nisso, mas a família é igualmente responsável”.
A nomofobia é um alerta para repensarmos nossa relação com a tecnologia. Enquanto buscamos aproveitar os benefícios dos avanços digitais, devemos estar atentos aos riscos que eles trazem para nossa saúde mental e social. O futuro depende de nossa capacidade de encontrar um equilíbrio sustentável entre o mundo virtual e o real.
*Sobre o autor: Wilson Candido Braga é graduado em Terapia Ocupacional, Biologia e Pedagogia. Especialista em Saúde Mental, Atendimento Educacional Especializado (AEE), Psicopedagogia Clínica e Institucional, Neuropsicopedagogia, Docência do Ensino Superior, Gestão de Programas de Saúde da Família, Ludopedagogia e Educação Infantil, Ciências da Educação, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)/Autismo, Ensino Estruturado para Alunos com TEA, Comunicação Alternativa e Educação Especial e Intervenção ABA para Autismo e Deficiência Intelectual. Possui mestrado em Psicologia Infantil e Adolescente, em Ciências da Educação e em Educação Especial.