A tuberculose é a doença infecciosa que mais mata jovens e adultos, segundo a Organização Mundial da Saúde – no mundo, são aproximadamente 10 milhões de casos e 1,5 milhão de mortes por ano. Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) identificaram moléculas capazes de se ligar a uma das principais enzimas da bactéria Mycobacterium tuberculosis, a diidrofolato redutase (DHFR). Publicado na revista ACS Infectious Diseases, da Sociedade Americana de Química, e financiado pela FAPESP, o estudo representa um importante avanço na busca por novos tratamentos para a doença.
Coordenado pelo pesquisador Marcio Vinicius Bertacine Dias, o grupo foi um dos primeiros no Brasil a usar a técnica de descoberta de fármacos baseada em fragmentos, que consiste em testar moléculas simples e pequenas contra alvos biológicos específicos em algum patógeno. O alvo escolhido foi a enzima DHFR, por ser essencial para a sobrevivência da bactéria. “Essa enzima também é muito estudada na descoberta de fármacos para câncer, doenças autoimunes e doenças infecciosas causadas por bactérias e protozoários”, explica.
Há mais de 10 anos trabalhando com a DHFR em tuberculose, os cientistas já observaram que a bactéria possui algumas características que a tornam mais resistente a antibióticos utilizados para outras infecções bacterianas. “Mesmo o Bactrim, que também tem a DHFR como alvo, não é efetivo contra a tuberculose”, diz o pesquisador. Dessa forma, os cientistas escolheram testar moléculas diferentes dos inibidores de DHFR já conhecidos, explorando outros grupos químicos. De 1200 moléculas, foram selecionadas 10 com melhor capacidade de se ligar à enzima.
Essas pequenas moléculas são excelentes pontos de partida para a descoberta de novos fármacos, uma vez que podem ser facilmente modificadas, considerando propriedades importantes presentes em medicamentos. Um desses “pontos de partida” foi modificado pela equipe e levou a descoberta de algumas moléculas promissoras, que já mostraram alta afinidade com a DHFR da M. tuberculosis. No entanto, ainda não foi confirmado se as moléculas identificadas são capazes de matar a bactéria – para isso, elas precisariam atravessar a sua complexa parede celular e chegar ao alvo, que é um dos grandes desafios no tratamento da tuberculose. Hoje, o grupo está trabalhando para aumentar a eficiência dessas moléculas em inibir a DHFR e torná-las ainda mais potentes e para que consigam atravessar essa barreira.
Impacto e inovação – O atual tratamento para tuberculose envolve a administração de pelo menos quatro fármacos diferentes durante seis meses, acompanhados de uma série de efeitos colaterais, como danos no fígado. “Com os efeitos adversos e a longa duração, muitas pessoas desistem do tratamento assim que começam a melhorar. Logo, temos uma grande quantidade de cepas que são resistentes aos medicamentos”, afirma Marcio Dias. “Nosso trabalho abre perspectivas para desenvolver compostos com novos mecanismos de ação contra a tuberculose”.
O pesquisador também chama atenção para as vantagens da técnica de descoberta de fármacos baseada em fragmentos, comum no Reino Unido e Estados Unidos, mas ainda pouco explorada no Brasil. “São moléculas mais baratas, que permitem desenvolver um composto também com preço reduzido – algo muito relevante quando se produz um medicamento”. Durante seu pós-doutorado na Universidade de Cambridge (Reino Unido), Dias trabalhou com os pesquisadores Sir Tom Blundell e Chris Abell, pioneiros na aplicação dessa técnica.