Falta pouco para a principal porta de entrada no Ensino Superior do Brasil: o Enem. O exame 2021 já conta com mais de 3 milhões de inscritos – e o Inep abriu novamente as inscrições para estudantes de baixa renda até o dia 26 de setembro. Seja em novembro ou apenas em janeiro, como aconteceu com a edição de 2020, posso afirmar, por experiência própria, que a redação é o momento mais tenso e que gera preocupação dos alunos. Como professor de redação e ex-corretor do Enem, tive a oportunidade de avaliar mais de 10 mil redações em 21 anos e posso dizer, para desmistificar esse assunto, que é perfeitamente possível escrever uma redação que mereça a nota máxima dos avaliadores.
Afinal, o que é uma boa redação? É um texto com uma letra bonita? É uma história criativa? Essa é uma dúvida muito comum. Na escola, o padrão é cada professor definir, a partir das próprias preferências pessoais, ou de seu sistema de ensino, o que é um bom texto. Alguns valorizam muito a apresentação da redação, enquanto outros consideram que a criatividade é o principal ponto. Outro critério muito usado é a utilização correta e bem explorada da gramática. O importante aqui é saber que, em provas e vestibulares sérios, há regras claras para definir o que são textos bons. Embora essas regras variem, elas tendem a seguir um padrão: um bom texto é aquele que consegue cumprir as regras do tema e do tipo de texto (ou gênero) pedidos. No caso do Enem, é exigido exclusivamente o tipo de texto dissertativo-argumentativo.
Para quem ainda tem dúvida, a dissertação argumentativa é um tipo de texto em que o autor deve buscar defender uma tese (uma opinião sobre determinado tema) por meio de argumentos para um leitor universal. O autor deve ser impessoal, ou seja, não deve usar a primeira pessoa do singular e não deve fazer referências a si mesmo.
Ao contrário do que muitos imaginam, a dissertação argumentativa pode e deve conter a opinião do autor. No entanto, essa opinião não deve ser exposta como uma ideia pessoal (“eu acredito que a educação é importante”) e sim como uma verdade absoluta (“a educação é importante”). E, diferente do que muitos afirmam, não é necessário ter uma opinião igual à do corretor para garantir uma nota alta na redação. O que torna um texto dissertativo-argumentativo bom é a qualidade dos argumentos, não a opinião escolhida. Isso porque os examinadores do Enem não esperam ser emocionados ou surpreendidos com as redações: eles procuram elementos técnicos, especialmente a adequação à proposta e o atendimento a algumas características da prova.
A prova do Enem costuma tratar de assuntos da atualidade, quase sempre enfatizando a realidade brasileira. Sempre apresenta uma coletânea de textos motivadores, que trazem informações sobre o tema e podem ser aproveitados na redação (eles costumam conter dados numéricos e estatísticos, que podem ser aproveitados na argumentação). Outra característica importante: todo tema de redação do Enem pede ao candidato que elabore uma proposta de intervenção para o problema abordado, demonstrando respeito aos direitos humanos. Isso significa que o autor sempre precisará fazer uma sugestão de uma ação a ser tomada que seja capaz de diminuir o problema discutido.
Cada corretor dará ao texto uma pontuação de 0 a 200 pontos em cinco critérios diferentes, chamados pelo Inep de “Competências”. Portanto, a pontuação final varia entre 0 e 1000. As competências do Enem são: demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa; compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa; selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista; demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação; elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
Outra curiosidade é que cada redação é avaliada por dois examinadores, que não conhecem a pontuação dada pelo colega. Isso é feito para diminuir o risco de haver subjetividade na correção: se um dos profissionais der uma nota muito diferente do outro, isso é chamado de “discrepância”. No caso do Enem, é aceitável uma diferença de até 100 pontos na pontuação da redação, ou até 80 pontos em cada um dos critérios. Se a diferença for maior que essa, a redação será avaliada por um terceiro examinador, mais experiente. Se ainda assim a discrepância permanecer, o texto será avaliado por uma comissão formada por três profissionais, que decidirão a pontuação final.
Outra dúvida comum: é possível tirar nota zero na redação? Sim, é possível. Mas é fácil tomar providências para que isso não aconteça: não fuja do tema, não escreva textos muito curtos (7 linhas ou menos), não xingue ou faça desenhos, não brinque incluindo uma receita de miojo ou o hino do seu time de futebol. Estude atualidades, pois os temas, na grande maioria das vezes, exploram acontecimentos recentes como gancho. Pratique todos esses pontos, planeje bem o seu texto e boa prova.
*Cícero Gomes, consultor de Cultura e Inovação da Evolucional e ex-corretor do Enem