O Câncer Não Espera: Médicos e entidades oncológicas somam forças para defender a continuidade de tratamentos e exames de diagnóstico durante a pandemia

Estudo internacional divulgado na última semana aponta que o impacto de uma demora de quatro semanas no início do tratamento de câncer eleva em 10% o risco de morte; No Brasil, 31% dos pacientes com câncer afirmam que a crise gerada pela Covid-19 impactou seus tratamentos

O isolamento social adotado durante a pandemia do Covid-19, conforme orientações governamentais, trouxe para médicos, centros de atendimento, e, principalmente, pacientes, um dilema: de um lado, o medo de se contaminar ao sair de casa e frequentar clínicas, laboratórios e hospitais; de outro, a necessidade do diagnóstico precoce do câncer, especialmente quando há sinais ou sintomas.

Segundo um novo estudo, publicado na revista científica BMJ (British Medical Journal) neste mês de novembro, o impacto de um atraso de quatro semanas no início do tratamento de câncer eleva em média em 10% o risco de morte de pacientes. Os dados são derivados de uma análise que reuniu informações de diversas pesquisas já publicadas e que considerou uma base de mais de 1,2 milhão de pessoas com doença no Canadá e no Reino Unido durante os meses de janeiro a abril de 2020. Apesar desse valor percentual poder variar conforme o tipo de tumor e o estágio em que se encontra, a avaliação dos pesquisadores reforça a percepção de que a interrupção dos cuidados médicos contra o câncer e a não realização de exames diagnósticos para detecção de tumores durante a pandemia pode levar a um aumento de mortalidade nos próximos meses.

Para alertar a população em geral sobre como atrasos nos cuidados médicos adequados pode comprometer, até irreversivelmente, o sucesso na luta contra o câncer, o Instituto Oncoclínicas – iniciativa do corpo clínico do Grupo Oncoclínicas para promoção à saúde, educação médica continuada e pesquisa – em parceria com sociedades médicas e entidades criou a campanha O Câncer Não Espera. Cuide-se Já.

Bruno Ferrari, oncologista clínico, fundador e presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas, explica que o diagnóstico precoce e a continuação do tratamento são aspectos decisivos para o melhor prognóstico dos pacientes oncológicos. “O diagnóstico precoce é um dos aspectos mais importantes quando falamos em Câncer. Em alguns casos, dependendo do tipo de tumor, a descoberta da doença em fases iniciais pode representar 90% de chances de cura. Esse é ainda um fator importante para a redução das taxas de mortalidade pelo câncer”, afirma o especialista, que também um dos idealizadores da campanha.

Considerando um recorte da realidade nacional, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) registrou uma queda de 75% no movimento cirúrgico das grandes instituições em 2020, em comparação com 2019, de acordo com seu levantamento nacional feito em abril e maio nos grandes centros hospitalares de oncologia. A entidade aponta que esta redução vai impactar na sobrevida dos pacientes e no rastreamento do câncer de mama, o mais incidente entre as mulheres, e que é essencial no diagnóstico e para melhores alternativas de tratamento.

“A população deve sempre se munir de informações sobre os fluxos seguros criados por clínicas, hospitais e centros de medicina diagnóstica, que garantem áreas específicas para casos não Covid. Não podemos esquecer que o paciente pode e deve se valer ainda da telemedicina como alternativa para esclarecer dúvidas relacionadas a sintomas que possa estar sentindo. A tecnologia é aliada nesse processo de entendimento para tomada de decisão mais assertiva para cada caso”, alerta o Bruno Ferrari.

Neste sentido, assim como garantir a continuidade do tratamento e a atenção para que a doença seja detectada precocemente, o especialista é enfático em afirmar que os pacientes precisam se sentir acolhidos e seguros nos centros de atendimento. “É imprescindível garantir a segurança dos que precisam ir a laboratórios, clínicas e aos hospitais, com sistemas ainda mais rigorosos para evitar o contágio de Covid-19. É preciso alertar o público sobre a necessidade de preservarmos os fluxos essenciais para a manutenção da linha de cuidado oncológico e propor uma reflexão para que a pandemia não gere outros reflexos negativos para a saúde dos brasileiros”, completa.

31% dos pacientes oncológicos teve tratamento impactado pela pandemia

Mesmo tendo o Ministério da Saúde incluído o câncer no rol de doenças cujo tratamento não pode ser considerado eletivo, desde o início da pandemia há registros que mostram índices preocupantes de adiamento de cirurgias e de exames diagnósticos, o que pode afetar diretamente as chances de cura da doença.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Oncoguia aponta para as dificuldades encontradas por pacientes oncológicos na continuidade de seus tratamentos durante a pandemia do COVID-19. O levantamento “Impactos do coronavírus na vida do paciente com câncer”, divulgado em agosto, contou com a participação de 1001 pessoas no total.

Realizado em duas etapas, o estudo submeteu voluntários a um questionário online, sendo 84% deles pessoas diagnosticadas com câncer e o restante familiares e/ou cuidadores. Mais da metade dos entrevistados, 52%, realizam o tratamento pela rede privada, enquanto outros 34% recebem seus cuidados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

A primeira fase de análises (realizada entre março e abril) levou em conta os dois primeiros meses do coronavírus no Brasil e contou com 562 participantes, enquanto a segunda fase contemplou a análise de 439 respostas coletadas em nove dias durante o mês de julho. Considerando a comparação dos dados apurados nas duas etapas, 31% daqueles que responderem à nova rodada do questionário online afirmam que seguem notando alterações no tratamento oncológico, como interrupções e adiamentos de consultas e procedimentos, em decorrência da pandemia. Na apuração anterior, esse impacto foi sentido por 41% das pessoas.

“Um dos reflexos preocupantes da pandemia está relacionado a esse olhar secundário para as prioridades oncológicas. Estamos vendo pessoas e serviços de saúde se reorganizando, modificando padrões e comportamentos e, pouco a pouco, retomando os tratamentos. Mesmo assim, os resultados são preocupantes e merecem atenção”, analisa Carlos Gil, oncologista clínico do Grupo Oncoclínicas e presidente do Instituto Oncoclínicas.

A sondagem mostrou ainda que uma grande parcela dos pacientes em tratamento na rede pública sentiu os reflexos negativos em sua linha de cuidado: 59% tiveram suas rotinas alteradas nos centros onde realizam tratamento em decorrência da Covid-19 nos dois primeiros meses avaliados. Já em julho, esse volume caiu para 41%. Entre os que se tratam na rede privada, os reflexos foram menos diretos, tendo afetado 30% dos pacientes inicialmente, e caindo para 24% em julho, uma disparidade que denota a desigualdade no acesso aos tratamentos em comparação ao SUS.

Outro fator de alerta para gestores de saúde sinaliza que a maioria dos participantes, 72% na primeira fase e 66% na segunda, relatou que mudanças como alteração ou cancelamento de consultas eletivas, cirurgias, exames de diagnóstico e acompanhamento ocorreram por decisão institucional. Dentre os pontos relacionados estão, além dos procedimentos cirúrgicos e condutas, sessões de quimioterapia, radioterapia ou infusão de medicamentos, e a retirada de medicação.

“Os resultados comprovam os relatos de suspensão e cancelamentos recebidas pelas entidades de apoio aos pacientes. Em parte, eles refletem o que foram os primeiros 60 dias de coronavírus no Brasil, com pessoas com muito medo de sair às ruas e hospitais precisando se organizar diante do imprevisível. Essa segunda análise mostra que aos poucos essas rotinas estão sendo ajustadas”, alerta Bruno Ferrari.

Para ele, o tempo é decisivo em muitas condutas. “O câncer é uma doença grave e que, antes da pandemia, já ocupava o segundo lugar no ranking das principais causas de morte no Brasil. Assim como há serviços essenciais que precisam continuar, existem tratamentos essenciais que devem prosseguir, sob risco de perdermos vidas que podem ser salvas”.

Covid em pacientes oncológicos

Carlos Gil, defende que não há grandes diferenças no impacto do novo Coronavírus em pacientes com câncer.

“São dados controversos, mas resumindo: o impacto no paciente oncológico não é tão diferente assim do que vemos no geral, pois esses pacientes, bem tratados, podem ser curados do Coronavírus. O paciente imunossuprimido pode ter uma comorbidade e ficar com uma infecção mais grave, mas não é nada como se acreditava anteriormente. O paciente com câncer não deve parar de fazer seu tratamento ou desistir de uma cirurgia, porque, caso tenha a infecção, será tratado e terá as mesmas chances de se recuperar de uma pessoa sem tumores”, comenta.

Uma análise da SBM aponta que, no período de abril e maio, nas instituições de Mastologia de São Paulo, em todos os casos de pacientes com câncer de mama que adentraram e foram operadas, não houve infecção por Covid-19.

Atualmente, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 1,3 milhão de brasileiros têm tumores malignos. Além disso, estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA) indicam que são esperados 625 mil novos diagnósticos da doença até o final de 2020.

Bruno Ferrari destaca que é imperativo que o combate ao câncer não fique em segundo plano. “A OMS afirmou que mesmo durante a pandemia o câncer é considerado uma doença de emergência. O câncer não negocia prazos”, finaliza.

Sobre o Câncer não Espera

A campanha O Câncer Não Espera, do Instituto Oncoclínicas, conta com a assinatura de apoiadores como Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT), Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer (Tucca), Instituto Oncoguia e Movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC).

A ação conquistou ainda o reforço voluntário de personalidades como as atrizes Mariana Rios e Priscila Fantin, os cantores Ivete Sangalo, Bell Marques, Leo Jaime e Tomate, a jornalista Mona Lisa Duperon e o medalhista olímpico com a seleção brasileira de vôlei Maurício Lima.

A mobilização segue aberta à participação de empresas, instituições ligadas à área médica ou qualquer cidadão engajado na luta em favor da vida e da saúde dos brasileiros. Interessados em aderir podem encontrar mais informações no www.ocancernaoespera.com.br.

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