O que não ousamos nominar

“Quando uma mãe perde um filho, todas as mães do mundo perdem um pouco também.” Começo esta reflexão com a fala da personagem Dona Hermínia, no filme Minha Mãe é Uma Peça, ao vivenciar o luto pela morte do sobrinho e imaginar a dor de sua irmã.

Aline Thaís Nascimento – Foto: Acervo Pessoal

Na dinâmica da vida, todos os dias há pessoas passando por momentos de felicidade e de tristeza. Isso nos toca com maior ou menor intensidade pela proximidade desses eventos em nossas vidas. Refletir sobre as situações delicadas pelas quais passamos, ou as pessoas passam, sempre nos provoca e imprime em nós emoções diversas.

Diariamente, somos convidados para sermos atores protagonistas, coadjuvantes, figurantes ou apenas telespectadores do episódio que chamamos de hoje.

Na maioria dos episódios, a cena luto não nos ocorre diária e diretamente. Talvez por isso, ou para sobrevivermos sem maiores angústias, evitamos o desconforto de pensar na morte e no luto, o que não nos torna menos sensíveis a esses eventos quando eles ocorrem.

Mas, em um hoje ou outro, o episódio morte ocorre, e somos convidados a experienciar o luto.

Um em especial arrebata-me sempre: o luto dos pais que se despedem de um filho — sobretudo o luto da mãe. Sempre me soou desconfortável naturalmente. Ora, há quem não concorde que é naturalmente mais justo que os mais velhos partam antes?

O Portal do Paraíso – Foto: Acervo Pessoal

Na série vida, não há controle nem leis naturais que garantam esse direito aos pais e às mães, mas sim uma sequência de presentes inevitáveis e incontroláveis que recebemos, sem muitas opções de escolha ou troca.

A verdade é que pouquíssimas são as escolhas, mas as potencializamos para nos ancorar minimamente num mar de infinitas incertezas.

Dessas incertezas, o luto materno é a que me arrebata de forma avassaladora, especialmente a partir da temporada em que a maternidade passou a fazer parte da minha vida.

A sensação é que passamos a integrar uma grande comunidade universal de conhecidos e desconhecidos compartilhando as mesmas emoções, certezas e incertezas. E quando a emoção é a dor e a tristeza pela despedida de um filho, os integrantes da comunidade experimentam juntos, e de forma mais patente, o dissabor.

De forma ainda mais visceral, o luto da mãe é compartilhado quase que automaticamente com todas as outras mães que tomam conhecimento.

Saudade – Foto: Divulgação

Certa vez, ao externar essa angústia ao psicanalista, ele, talvez tão angustiado quanto eu, disse: “Quando casais são separados pela morte, chamamos o que fica de viúvo ou viúva; quando filhos são separados dos pais, nós os chamamos órfãos; mas, quando os pais são separados dos filhos pelo evento morte, nem nome ousamos dar.” Calei-me.

E, como membro dessa grande comunidade universal de mães e pais, quando sou convidada ao evento tão desconfortável que sequer nos substantifica, adentro no luto compartilhado. É uma espécie de cláusula irrevogável. O luto dos pais pelos filhos é compartilhado por todos os membros — quem experienciou ou quem jamais deseja experimentar.

Não há muitos recursos linguísticos para explicar o luto dos pais, sobretudo o das mães. Como mãe, utilizo-me novamente das palavras da personagem para explicar o inexplicável: “Quando uma mãe perde um filho, todas as mães perdem um pouco também.”

Vídeo incidental: Ruína – Manoel de Barros

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