O periódico Parents realizou uma pesquisa exclusiva em março deste ano, com 1.500 pais americanos, e revelou que 70% deles são a favor da implantação de aulas de educação sexual nas escolas, sendo que 3 em cada 4 pais concordam que “a educação sexual abrangente é fundamental para o bem-estar e segurança das crianças”.
Um dos temas mais mencionados na pesquisa foi a preocupação com a violência sexual: 1 em cada 3 dos pais que já haviam conversado com seus filhos sobre sexo incluiu o assédio sexual, abuso ou agressão sexual (36%) na primeira conversa.
No Brasil, o Governo Federal anunciou recentemente a retomada da educação sexual no currículo escolar. Isso significa que alunos do ensino básico voltarão a ter aulas sobre saúde sexual e reprodutiva, incluindo temas como infecções sexualmente transmissíveis. Segundo o Ministério da Saúde, 99% dos municípios já aderiram.
Para Dani Fontinele, terapeuta sexual e sexóloga clínica; membro da ABRASEX (Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual); e especialista em Prevenção de Abuso Sexual Infantil pela Metodologia Claves América Latina; não aprender habilidades sobre relacionamentos saudáveis e tomada de decisões sexuais pode ter consequências graves.
“Para combater o assédio sexual e a violência, a educação sexual em casa e nas escolas deve ir além das informações básicas sobre biologia, abstinência e consentimento, abordando as complexidades dos relacionamentos íntimos”.
O Disque 100 (Disque Direitos Humanos) registrou mais de 17 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes de janeiro a abril deste ano. Nos quatro primeiros meses de 2023 foram registradas, ao todo, 69,3 mil denúncias e 397 mil violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, das quais 9,5 mil denúncias e 17,5 mil violações envolvem violências sexuais físicas – abuso, estupro e exploração sexual – e psíquicas. Os dados são do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e indicam um aumento de quase 70% em relação ao mesmo período de 2022.
Educação sexual é importante na escola, mas fundamental em casa
Segundo Danielle H. Admoni, psiquiatra geral, da Infância e Adolescência, supervisora na residência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM) e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria); nunca foi tão importante aplicar a chamada “educação sexual abrangente”.
“Ela agrega todos os pontos sobre sexualidade como desenvolvimento sexual saudável, identidade de gênero, relacionamentos interpessoais, afeto, intimidade, limites, respeito, imagem corporal, entre tantos outros”.
Os pais devem incentivar a conversa?
A pesquisa da Parents apontou que a maioria dos pais (85%) planeja falar sobre sexo com seus filhos, enquanto 67% já tiveram a conversa. Destes, 41% disseram que o primeiro papo aconteceu quando o filho tinha 10 anos ou pouco menos. Um em cada dois pais indicou que planejava conversar com seus filhos aos 13 anos ou mais.
Segundo a pesquisa, a desinformação é um fator alarmante para a maioria dos pais: 69% se preocupam com o que seus filhos absorvem sobre sexo nas redes sociais, enquanto 43% acham que as redes sociais diminuem o estigma em torno de tópicos relacionados à educação sexual para jovens. Ainda assim, a maioria concordou que preferiria estar na linha de frente quando se trata de educar seus filhos sobre sexo.
Um relatório recente da Common Sense Media descobriu que 54% das crianças haviam assistido pornografia online aos 13 anos (15% antes dos 11 anos). E, ao contrário do que os 43% dos americanos pensam, ter acesso a conteúdo adulto pela internet, sem uma devida orientação sexual, pode trazer prejuízos à criança.
“Nestes casos, a pornografia pode influenciar as percepções e os sentimentos das crianças sobre imagem corporal, sexo e relacionamentos. E, na verdade, os pais não devem se basear tanto pela idade, mas sim pela maturidade da criança, pelo seu comportamento e por qualquer atitude que demonstre que ela já tem algum conhecimento sobre sexo”, analisa Danielle Admoni.
E os estudos comprovam: de acordo com a Academia Americana de Pediatria, quando os pequenos recebem educação e suporte dos pais, eles têm maior probabilidade de adiar a primeira vez, de se preocuparem com a contracepção e de serem seletivos na hora do sexo.
“Dar espaço para que os filhos queiram falar sobre o assunto cria um ambiente de apoio e tranquilidade, onde as crianças se sentirão à vontade para trazer perguntas e preocupações”, completa a terapeuta sexual Dani Fontinele.
Como abordar sem intimidar
Primeiramente, segundo a psiquiatra Danielle Admoni, falar sobre sexo não pode gerar um clima constrangedor.
“Se o sexo é algo natural, ele deve ser tratado como tal, para que não se torne um tabu, trauma ou algo inibitório. Portanto, nada de ‘senta aqui que precisamos ter uma conversa’. A abordagem pode começar aos poucos e de forma cotidiana”.
A sexóloga Dani Fontinele concorda. “Uma vez que você assusta e afasta a possibilidade desse diálogo, dificilmente conseguirá estabelecer uma relação confiável para este tema. Sendo assim, vá com calma. O mais importante é proporcionar conforto, liberdade e segurança para a criança, e manter esse canal aberto em todas as fases do seu filho”.
Linguagem, a “bolha imaginária” e gênero
Na pesquisa da Parents, 1 em cada 3 pais de crianças pequenas, com idades entre 4 e 8 anos, e cerca de metade dos pais de pré-adolescentes, com idades entre 9 e 12 anos, relataram que seus filhos haviam feito perguntas sobre sexo.
A psiquiatra Danielle Admoni reforça que tanto em casa como na escola é preciso ter uma atenção especial em relação à linguagem a ser usada em cada faixa etária ou dependendo da maturidade do filho.
Um dos conceitos amplamente usados por educadores do mundo todo é a “bolha imaginária”, especialmente para abordar o tema “consentimento”. Segundo Danielle, por ser um método descontraído e mais democrático, pode ser aplicado em uma faixa etária de 4 a 12 anos.
“Cada criança cria sua própria ‘bolha’ imaginária ao redor do corpo. O jogo consiste em pedir permissão caso queira tocar na ‘bolha’ de alguém. Ou seja, as crianças começam a assimilar que não se deve tocar em ninguém sem o seu consentimento, fortalecendo a base do senso de empoderamento corporal que deverá prosseguir durante os anos de adolescência”, conta Danielle Admoni.
Outro aspecto de grande relevância é o apoio aos tópicos sobre gênero e sexualidade. “Jovens LGBTQIAPN+ têm taxas mais altas de depressão e estão em maior risco de outras condições de saúde mental, incluindo suicídio. Eles precisam de apoio e ajuda de diversas áreas, principalmente nessa fase da vida, quando nem eles entendem direito o que estão vivenciando, sentindo”, ressalta Dani Fontinele.
Busque informações seguras
Os participantes da pesquisa norte-americana usaram várias fontes para buscar informações e poder falar sobre sexo e relacionamentos com seus filhos. As fontes incluíram sites de educação em saúde (38%), sites de orientação parental (30%), amigos/família (30%), médico do filho (30%) e livros (27%).
“Vale lembrar que a educação sexual deve ser trabalhada tanto na escola como em casa. Uma linha de informação não anula a outra, muito pelo contrário. Elas se complementam na formação de um cidadão seguro de sua sexualidade, do respeito com seu corpo e com o das outras pessoas, com as diferenças, e com os cuidados que precisam ter diante das violências existentes na sociedade”, finaliza Dani Fontinele.