Os conceitos de diversão foram atualizados nessa pandemia. Interação social mínima, opções de lazer restritas e maior tempo em casa são os ingredientes que estão mudando a maneira das pessoas se relacionarem com a comida. Além da ansiedade provocada pelo contexto, a facilidade trazida pelos aplicativos influencia a relação com a alimentação.
Uma pesquisa realizada no Brasil, e publicada na revista Research, Society and Development em junho deste ano, mostra bem essa situação. Mais da metade (54%) das pessoas que ficaram em isolamento social, em algum momento da pandemia, ganharam peso e declararam estar comendo mais (55%) e com menos qualidade (44%). A pesquisa também apontou o crescimento no consumo de doces, refrigerantes, álcool, massas e itens de padaria.
Para entender este cenário, a nutricionista especializada em nutrição comportamental, Beatriz Camargo, faz uma análise e elenca alguns fatores que impactam diretamente no comportamento alimentar. Segundo ela, um ponto que deve ser considerado é que, apesar das dificuldades financeiras enfrentadas por muitas pessoas, aquelas que não foram profundamente impactadas com a crise, deixaram ou reduziram consideravelmente os gastos com diversões como festas e viagens.
Isso implica ter mais dinheiro para gastar com comida, como explica a nutricionista “o pensamento de não gastar muito com comida já não é tão frequente, porque as pessoas estão com opções de lazer muito limitadas e acabam se divertindo por meio da alimentação. E tem mais, as experiências gastronômicas ficaram mais fáceis com os aplicativos de comida, facilmente você escolhe o restaurante que quer pelo celular, em poucos minutos a comida está na porta de casa e o pagamento ainda fica só para o mês que vem”.
Fato é que os serviços de delivery decolaram desde o começo da pandemia, mas a facilidade nem sempre vem acompanhada de benefícios para a saúde. Segundo pesquisas realizadas pelo Kantar em junho deste ano, os itens que registraram maior alta nesta modalidade foram os fast food, seguidos por pizzas e em terceiro lugar por pratos e refeições.
A especialista explica que não se deve condenar o ato de comer, mas despertar a consciência em relação à alimentação “todos nós precisamos nos alimentar e este deve ser um momento agradável e consciente. No entanto, a pandemia intensificou a relação da comida com estado emocional. Como porque estou triste ou porque estou feliz. Como porque foi minha mãe quem fez ou porque estou nervosa. Então, perde-se a percepção da fome real ou da vontade genuína de comer determinada coisa. E quando esse comportamento está atrelado a ingestão de itens processados, o cenário fica mais preocupante”.
O primeiro passo é identificar os gatilhos mentais que levam ao consumo exagerado de comida, “quando é que esse comportamento surge? É quando percebo que preciso dividir esse alimento com outras pessoas então como rápido para comer mais ou é sempre que tenho dia difícil no trabalho? Depois que se identifica os gatilhos é que são traçadas as estratégias para evitar o comportamento compulsivo”, esclarece Beatriz.
O bom-senso também é muito válido, comparar seu comportamento pré-pandemia ajuda em boas decisões “se você está gastando com alimentação muito mais do que antes ou passa bem mais tempo procurando comida, está na hora de ligar o sinal de alerta. Procurar maneiras de ocupar a mente e novos hobbies são boas opções”.
A nutricionista ainda explica que o processo de cozinhar, ao invés de apenas comprar comidas prontas pode ajudar, “cozinhar em família é uma excelente tática para estar mais atento ao que queremos comer e na nossa fome – além de ser um momento de prazer e interação. A demais, buscar fazer boas escolhas, seja na hora de cozinhar ou pedir a comida pelo aplicativo, já é um ótimo começo”.
*A pesquisa foi publicada na revista Research, Society and Development