Uma parceria entre o WWF-Brasil e o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul) tem fortalecido, desde 2019, a capacidade do órgão público de prevenir e combater queimadas no Pantanal – e está mostrando como o apoio da sociedade civil organizada às instituições públicas pode fazer a diferença para a população e a natureza.
Depois de uma temporada mais seca do que o normal em 2019, o Pantanal foi o bioma que mais sofreu com as queimadas históricas que devastaram o Brasil em 2020, comovendo inclusive a comunidade internacional. No ano passado, foram detectados mais de 22 mil focos de fogo, que destruíram aproximadamente 30% do bioma. Em Mato Grosso do Sul, a situação foi especialmente grave: o estado, que possui 28% da área do bioma, concentrou 40% dos focos de queimadas.
Com a falta de uma resposta adequada do Governo Federal, que reduziu a capacidade de atuação de brigadas de incêndio de órgãos como o Ibama e o ICMBio, a maior parte do trabalho de combate ao fogo em Mato Grosso do Sul coube aos órgãos estaduais, sob a coordenação do Imasul – o que aumentou a necessidade de fortalecer as ações desses agentes públicos.
Agora, há preocupação de que as queimadas de grandes proporções se repitam em 2021, já que a seca deste ano foi ainda mais severa. Nesse contexto, kits compostos por lança-jatos com capacidade de armazenamento de 600 litros d’água, doados ao Imasul pelo WWF-Brasil, são fundamentais para ajudar a enfrentar as chamas, de acordo com André Borges Barros de Araújo, diretor-presidente do Imasul.
“Esses kits são projetados para serem instalados em picapes e caminhonetes, o que permite a presença das equipes em áreas de difícil acesso. É um equipamento fundamental tanto no trabalho de prevenção quando no de combate aos incêndios florestais”, diz ele.
Segunda doação. De acordo com Araújo, os equipamentos recebidos do WWF-Brasil foram fundamentais no combate às queimadas de 2020. A primeira doação, de três kits de lança-jatos, foi entregue em novembro de 2019. A segunda, de quatro kits, chegou em junho de 2021.
“A parceria do Imasul com o WWF-Brasil vem de longa data e tem nos ajudado especialmente em ações relacionadas à proteção de Unidades de Conservação. Essa relação tem sido duradoura porque é respaldada na confiança mútua e na credibilidade das duas instituições. Para nós, é muito gratificante poder ter esse parceiro para nos auxiliar na proteção de nossos parques e áreas protegidas. Os kits vão nos ajudar muito nos próximos anos”, destaca Araújo.
O trabalho de combate ao fogo exercido pelo Imasul é realizado em parceria com o Corpo de Bombeiros, que fez uso dos kits em 2020, segundo Araújo. Ele afirma que o Imasul também está incorporando uma equipe de apoio de campo, que vai trabalhar tanto no combate como na prevenção do fogo. “Os bombeiros são nosso braço de combate ao fogo. Esses kits trazem uma nova dinâmica para esse trabalho, por conta da facilidade de transporte e acesso, além da eficiência. Os kits são fundamentais também para as unidades no apoio terrestre ao combate aéreo das chamas”, salienta.
“Os grandes equipamentos de combate a incêndios têm limitações de deslocamento, mas os kits são próprios para adaptação às viaturas e são instalados na carroceria de picapes, que têm condições de acessar locais que um equipamento convencional não alcançaria”, acrescenta.
Foco nas UCs. A principal preocupação do Imasul, de acordo com Araújo, é a fiscalização e manejo das Unidades de Conservação e a proteção dos parques sul-mato-grossenses. Os kits, detalha ele, estão distribuídos nos três biomas existentes no estado: no Pantanal, no Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro; no Cerrado, no Parque Estadual das Nascentes do Taquari; e, na Mata Atlântica, no Parque Nacional das Várzeas do Rio Ivinhema.
“Nessas três Unidades de Conservação, as equipes de campo contratadas pelo Imasul farão todo o apoio ao trabalho de prevenção e combate de incêndios florestais. Todas elas são fundamentais”, diz Araújo.
O Parque do Pantanal do Rio Negro tem 70 mil hectares e representa uma amostra significativa do bioma Pantanal, prestando muitos serviços ambientais. “É a única Unidade de Conservação de Proteção Integral do Pantanal em Mato Grosso do Sul. Ela não foi tão atingida quando as demais em 2020. Vamos utilizar os kits para fazer a prevenção e impedir que os incêndios se alastrem por lá”, declara.
Araújo ressalta que, nas ações de prevenção, os kits são utilizados na construção de aceiros, que são faixas nas quais a vegetação é eliminada por processos de queimada controlada, ao longo de cercas, para evitar a propagação de fogo para áreas naturais, onde podem se tornar incêndios de grandes proporções. “Quando a estiagem é muito severa, como a deste ano, as condições são propícias para a propagação do fogo, por isso o trabalho de construção de aceiros é essencial. Quando manejado da forma correta, o fogo é nosso aliado”, diz Araújo.
União de esforços. Os kits com capacidade de 600 litros de água, inteiramente adaptados para as picapes, facilitam o combate às chamas de forma mais eficiente com a potência e o alcance do jato. De acordo com o especialista em conservação do WWF-Brasil, Osvaldo Barassi Gajardo, a doação dos três primeiros kits foi feita no momento em que o fogo aumentava nas Unidades de Conservação do estado, no fim de 2019.
“Agora, como parte da sociedade civil, sentimos a necessidade de contribuir novamente com esse fortalecimento da capacidade de gestão do Imasul e fizemos outra doação de mais quatro kits”, diz Gajardo. A nova doação, segundo ele, foi motivada especialmente pela iniciativa do Imasul de lançar um edital para a contratação de 15 brigadistas.
“Além dos brigadistas, eles adquiriram alguns veículos 4×4 e estão comprando equipamentos para as brigadas. Nós entendemos que essa era uma ótima oportunidade para unirmos esforços e fortalecermos a atuação deles. Isso permitirá equipar mais quatro veículos para o combate eficiente ao fogo e deixá-los à disposição em quatro Unidades de Conservação”, acrescenta.
De acordo com Gajardo, o apoio ao Imasul faz parte do projeto Emergência do Pantanal, que segue em vigência. “Temos várias parcerias acontecendo. No caso específico do Imasul, o investimento foi de R$ 100 mil no apoio de 2019 e mais R$ 144 mil nos quatro kits que foram doados agora”, afirma.
Também fez parte do apoio ao Imasul o conjunto de doações feitas pelo WWF-Brasil ao Centro de Resgate de Animais Silvestres (CRAS). “Além de fortalecer a capacidade de combate ao fogo do Imasul, também apoiamos com melhoria das condições de trabalho do CRAS, com a doação de equipamentos, materiais de contenção, caixas de transporte de animais e aquisição de medicamentos e anestésicos, entre outros”, diz Gajardo.
Resgate de animais. O investimento no apoio ao CRAS, segundo Gajardo, foi de R$ 75 mil. “São parcerias que permitem aumentar o impacto das nossas ações. Quando os governos têm vontade política de aprimorar suas condições e melhorar sua gestão, ao mesmo tempo em que a sociedade civil organizada tem condições de contribuir para um objetivo comum, temos um cenário perfeito”, declara.
Outra razão para apoiar o CRAS, conforme Gajardo, é que a atividade de resgate da fauna impactada pelo fogo, exercida pelo Centro, é também um dos componentes estratégicos do plano de ação emergencial do WWF para o Pantanal. “Além dessas ações, nós continuamos apoiando a formação de brigadas comunitárias em algumas regiões do Pantanal e seguimos com apoio de ajuda humanitária para algumas comunidades que foram afetadas pelo fogo, com doação de cestas básicas, equipamentos e ferramentas. O objetivo é aliviar as pessoas que ficaram em situação vulnerável, mas por outro lado fortalecer a ação das pessoas e grupos que querem dar uma resposta aos incêndios florestais”, complementa.
Todo esse trabalho faz parte da agenda de ações emergenciais iniciada em 2019 pelo WWF-Brasil e que hoje tem atuação na Amazônia e no Pantanal, de acordo com Flávia Araújo, analista de conservação do WWF-Brasil. “Esse trabalho é desenvolvido através de um fundo para ações emergenciais que é composto por doações de diversos parceiros, desde a Rede WWF, até parceiros corporativos, além de doações de pessoas físicas”, explica.
Ação estruturada. Segundo ela, no Pantanal, as ações emergenciais estão estruturadas em quatro eixos. O primeiro deles é a implementação e capacitação de brigadas de combate às queimadas – sejam elas brigadas do governo, com foco nas Unidades de Conservação – como é o caso do Imasul -, ou brigadas comunitárias. O segundo eixo é voltado ao resgate e monitoramento da fauna – como é o caso do CRAS.
“Nesse eixo, além do apoio ao CRAS, para que façam o resgate dos animais e deem a eles os cuidados necessários após os incêndios, temos também uma parceria com o Instituto Arara Azul, que atua no monitoramento do impacto do fogo na população de araras”, diz Flávia.
O terceiro eixo, salienta ela, é voltado para a ação humanitária que está sendo desenvolvida em Mato Grosso com comunidades ribeirinhas e tradicionais. “Ali, trabalhamos com ações de resgate da dignidade, tanto em termos de doação de alimentos, como de recuperação das áreas queimadas, para que essa população possa manter seu modo de vida na região”, afirma.
A pesquisa científica é o foco do quarto eixo. “A pesquisa é muito importante, porque ainda não sabemos o impacto real dos incêndios no Pantanal. Vemos muitas vezes a flora retornando, mas precisamos entender se há modificação nas fitofisionomias do Pantanal e quanto isso afeta a fauna e toda a dinâmica da região”, finaliza Flávia.