Em levantamento divulgado nesta quarta-feira (18) pelo Procon-SP, o órgão registrou 4.123 reclamações relativas a crédito consignado de aposentados e pensionistas do INSS apenas entre janeiro e outubro deste ano. O crescimento é de 102,6% em relação aos 2.035 casos registrados em 2019, em um aumento de 374,7%.
O volume alto de reclamações engloba denúncias de cobranças indevidas (3.111) e contratos irregulares (1.080, relacionados a alterações, irregularidades, rescisões). Os aposentados registraram que tiveram descontado de seu benefício valores referentes a créditos consignados que não foram contratados previamente.
Os dados preocupam devido a uma mudança ocorrida a partir de julho, que mudou as regras relativas ao empréstimo consignado. O presidente Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória que eleva a margem de empréstimo consignado para aposentados do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), estabelecendo um novo limite de cinco pontos percentuais a mais. Embora a medida pareça uma boa notícia para quem precisa de um crédito maior em tempos de pandemia e incerteza econômica, a MP pode complicar dívidas pré-existentes e comprometer a subsistência de um grupo social de risco.
Atualmente, quem recebe aposentadoria ou pensão pode solicitar empréstimos consignados que englobam até 35% do valor do benefício, com a adição de 5% de cartão de crédito na modalidade saque. Com a MP, o limite de comprometimento passa a ser de 40% do benefício, com os mesmos 5% de saque.
Para Marco Antonio Araújo Júnior, advogado, Diretor do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Brasilcon) e Jurista do Grupo de Trabalho do ProconSP, a medida estimula o superendividamento, considerando que o idoso no Brasil é um grupo social e politicamente vulnerável.
“No Brasil, não há critérios sérios para avaliar o superendividado. O STJ considera que o idoso é um superendividado hipervulnerável, porque já tem a vulnerabilidade da idade e ainda é submetido a um critério no qual parte da sua aposentadoria ou pensão é retirada em crédito consignado, e ele, em vez de ter benefícios, tem perdas. Os juros são cobrados de forma alta, e isso fere a dignidade da pessoa humana, já que diminui o mínimo existencial“, explica.
De acordo com o especialista, a MP não vai de encontro às políticas atuais que tentam proteger a população idosa. “Essa não é uma MP positiva sob a ótica do superendividamento, e vai na linha contrária do projeto de lei 3515/2015 que protege o superendividado. Quando o governo edita uma medida provisória autorizando o aumento do valor do crédito consignado, sem nenhum estudo aprofundado nem critério, pode à primeira vista parecer uma ação positiva, mas na verdade é algo muito perigoso, porque quem já está endividado e toma um crédito desse, em um momento de crise financeira, se torna superendividado e se afasta definitivamente da chance de regularizar seu nome e sua dignidade no mercado de consumo“, completa.