Projeto recupera memória por meio de depoimentos no Quilombo Urbano São João Batista

“Quilombo em Atividade” fará fotos e gravação de entrevistas a fim de resgatar patrimônio imaterial da comunidade

Em Campo Grande, moradores do Quilombo Urbano São João Batista recebem os realizadores do projeto “Quilombo em Atividade” para juntos produzirem um material histórico sobre a comunidade. Este trabalho foi contemplado com recurso do Fundo Municipal de Incentivo à Cultura (FMIC/2019), oriundo da Prefeitura de Campo Grande por meio da Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo).

Associação Familiar da Comunidade Negra São João Batista que é considerado o quilombo (Foto: Vanessa Bohn)

Os primeiros passos para execução dos trabalhos já foram dados e a há um clima de otimismo entre os envolvidos apesar dos desafios que o atual momento impõe, garante a presidente de honra da Associação Familiar da Comunidade Negra São João Batista, Rosana Anunciação. “Esse projeto tem um valor vital de força, luta e resistência porque vai trabalhar com crianças, adolescentes e adultos buscando o desenvolvimento integrado”.

“Quilombo em Atividade” visa atuar em várias esferas, além da pesquisa, o projeto irá gerar um site com o conteúdo produzido, promoverá oficina de capoeira angola e dois cursos: elaboração de projetos e formação de professores, o que promete render um riquíssimo material de resgate e conservação identitária dentro do projeto.

 “O Quilombo São João Batista é uma comunidade forte e atuante no município de Campo Grande e no estado do Mato Grosso do Sul, desenvolvem um importante trabalho de resgate, fortalecimento e perpetuação da cultura e saberes afro-brasileiros. Assim, a proposta audiovisual é trazer à tona todo esse contexto de vivência e ancestralidade da comunidade, contando a história do Quilombo a partir da história de vida de cada pessoa. Serão captados os depoimentos e realizaremos uma série de fotografias que culminarão na sobreposição de som e imagens trazendo a luz o que chamo de audiografias. Este material irá compor o site do projeto formulando uma espécie de mapeamento poético do Quilombo São João Batista”, explica a artista visual, Vanessa Bohn.

Marcos Vinicius Campelo, Vanessa Bohn e Rafael de Sá, que fazem parte do projeto Quilombo em Atividade (Foto: Vanessa Bohn).

Cronograma

Em cinco meses de trabalho, o projeto prevê 6 atividades, pesquisa e registro audiovisual, construção de um site sobre o quilombo, uma vivência de Capoeira Angola e dois cursos – um voltado para professores e outro sobre elaboração de projetos culturais. “A ideia é estabelecer uma troca com o quilombo, eles estão partilhando conosco seus conhecimentos e queremos partilhar com eles algo que possa ser útil para a comunidade, como o curso de elaboração de projetos que pode contribuir para ampliar as atividades já existentes na AFCN (Associação Familiar da Comunidade Negra São João Batista), a partir da formação de jovens e outros interessados na elaboração e captação de recursos para desenvolvimento de projetos. ”, afirma o pesquisador e proponente do projeto, Marcos Vinicius Campelo.

Ao final do projeto, o site será repassado à comunidade dando ênfase ao protagonismo local. outro ponto alto do “Quilombo em Atividade” é o espaço de debates que será promovido a fim de tocar assuntos presentes na rotina social e repercutido na mídia, como a questão do racismo e a importância do fortalecimento da identidade racial como ferramenta de combate a violência, garantia e promoção de direitos.

Nesse contexto, entra atividades como a Capoeira Angola: “Uma ferramenta de luta contra o racismo que traz em seu âmago os fundamentos da cultura africana e afro-brasileira. O próprio mestre Pastinha dizia que a capoeira é mandinga de escravo em ânsia de liberdade. Antigamente os negros usavam a capoeira para defender sua liberdade, hoje a capoeira angola vem fortalecer a identidade negra através da prática do conhecimento, das músicas e saberes dos grandes mestres, nos colocando em conexão com nossa ancestralidade”, argumenta o capoeirista Rafael de Sá.

Assim como o curso de formação para professores vem para preencher a lacuna sociopolítica do projeto. “No Brasil, temos as leis 11.645/2008 e 10.639/2003 que estabelecem a obrigatoriedade da temática ‘História e cultura afro-brasileira e indígena’, nas escolas. Teremos um espaço de formação junto a professores, educadores e demais interessados da Capital, que irá trabalhar a importância da inserção do conteúdo da história afro-brasileira em sala e caminhos possíveis para aplicar essa temática com os alunos”.

Entrevista com membro da comunidade no projeto Quilombo em Atividade (Foto: Vanessa Bohn)

Quilombo Urbano

A história da Comunidade Negra São João Batista começa a ser contada a partir da matriarca Srª Maria Rosa Anunciação, filha de negros, ex-escravos, cujos ancestrais são originários da Bahia e Minas Gerais. A tradição familiar que acontece desde 1922 nos dias 23 e 29 de junho, por conta de uma promessa feita ao santo São João Batista pela própria Maria Rosa para saúde de um dos nove filhos, que nasceu prematuro com poucas chances de vida.

De início a festa era celebrada em Coxim, onde Maria Rosa e sua família residiam, a partir de 1945, a família veio para Campo Grande em busca de melhores oportunidades e, então, a festa passou a ser realizada por aqui e perdura até os dias de hoje. Já nos anos 2000, a comunidade fundou a AFCN (Associação Familiar da Comunidade Negra São João Batista). Em 2006, receberam a certificação do quilombo pela Fundação Palmares e desde então veem desenvolvendo inúmeros projetos voltados ao fortalecimento e resgate da cultura afro-brasileira, assim como projetos sociais, que atendem jovens e famílias em situação de risco.

“Tudo começou com o sonho do meu pai, Reginaldo, que pensou na constituição da associação e chamou a nossa atenção para trabalhar com as famílias que estavam em situação vulnerável. Então, a formação da comunidade sempre foi voltada à inclusão e valorização, tanto das pessoas quilombolas que são nossos familiares, pessoas que passam pela nossa tradição, quanto de outras pessoas da comunidade do entorno”, diz Rosana, presidente da Associação.

Atualmente, a comunidade é constituída por um núcleo familiar de 100 pessoas que residem em sua maioria na região do Pioneiros e em bairros como Piratininga e Aero Rancho.

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