Não é incomum hoje, em meio à crise do COVID-19, presenciarmos diversos indivíduos se manifestando a favor de Jair Bolsonaro. Inúmeras cidades brasileiras têm lotado as ruas com seus veículos e promovido palavras de ordem como “ditadura já”; “a economia não pode parar”; “o coronavírus não existe, é coisa da esquerda” e por aí vai.
Por outro lado, quem não apoia o Governo e vai contra as ideias desses manifestantes os têm considerado psicopatas, pois parece inconcebível: defender uma ditadura, se lançarmos o olhar na História para conhecer as consequências que esse regime já provocou; defender a economia, enquanto parte da população está definhando nos hospitais; e, principalmente, negar o vírus ou politizá-lo, já que é um problema mundial e não somente da direita ou esquerda brasileira. Tudo isso não somente coloca a vida do próprio indivíduo em risco como a do próximo.
O perfil de quem nega o coronavírus, que acredita que ele seja de esquerda e que quer a volta da economia, nada tem de psicopata. São indivíduos altamente moralizantes, sociáveis e empáticos com seus semelhantes, diferente do psicopata, que apresenta uma falta de moralidade, sociabilidade e empatia. A maioria dos indivíduos desse movimento em prol do Governo e de negação do vírus trabalham, têm famílias, muitos são bem-sucedidos, possuem uma escolaridade acima da média do brasileiro, ou seja, são mais privilegiados que grande parte da população. Então, a única conclusão a que se pode chegar é que eles são indivíduos normais.
Essa normalidade é simples: está na frase “sempre foi assim”; é o que denominamos de status quo, ou melhor, aquilo que está estipulado como bom, belo e correto, para determinado grupo. Este grupo de manifestantes entende o presidente como um herói messiânico. Seguem seus comentários radicalmente, mesmo que ele volte atrás depois. Sabemos bem que só existe um herói quando seu arqui-inimigo é criado para que nele seja projetado tudo o que é ruim, feio e errado. Reduzindo a consciência humana a uma dualidade de bom/ruim; certo/errado; bonito/feio.
Tudo o que for novo para a realidade desses indivíduos será julgado e colocado ou na caixinha do bom ou na caixinha do ruim. Para estes indivíduos, a esquerda sempre esteve na caixinha do ruim/feio/errado. Agora, colocaram nela o Mandetta e o Moro; não à toa, as imagens do Moro como Che Guevara tomaram a internet, recentemente. Não existem, para estes indivíduos, as nuances, os vários tons, a furta cor, etc..
Quem está nessa dualidade sempre irá enxergar e entender o seu grupo como o correto, o bom e o belo, e não será capaz de entender que em si também existe o errado, o mal e o feio. Ao não perceber em si tais características, acaba por deixar o próprio mal correr à solta, justificando com a frase “sempre foi assim”; ou “mas isso é ruim/errado mesmo”, etc.. Eles banalizam o mal que os habita. Acaba também por enxergar o mal somente no outro sem olhar para si mesmo, o que o leva a uma maior dualidade.
Esses indivíduos normais, escolarizados e inteligentes têm tudo, menos um grau considerável de consciência. Não usam sua inteligência para pensar e discernir sobre o mundo, mas para cumprir ordens; não conseguem perceber que o mundo não é feito de caixinhas, mas de complexidades; tem medo de ter consciência, pois é muito melhor ficar no conforto de se julgar como bom, correto e belo e não enfrentar o mal que os habita. Contudo, é somente reconhecendo o ladrão, o esfomeado, o violentador em nós que iremos minimizar os danos ao próximo.
*Leonardo Torres, Professor e Palestrante, Doutorando em Comunicação e Pós-graduando em Psicologia Junguiana