Questão de dignidade, consciência, lealdade e empatia

A tragédia em curso no RS é parte da crise climática decorrente de um modelo de desenvolvimento predador dos tempos coloniais, fruto da cobiça insaciável dos que hoje se alardeiam paladinos da civilização, da democracia e da liberdade. Com que moral?

É inarrável, indescritível, o drama de milhões de gaúchos que de repente se viram frágeis e impotentes ante um flagelo climático decorrente da obsessão pelo lucro acima da Vida, da Natureza e da Ciência. Desde que as etnias mais predadoras do território europeu se apossaram dos destinos de seus conviventes e depois de todos os continentes, tem sido essa a sucessão de tragédias alastradas por toda a humanidade. Não se trata de fatalidade, é crime premeditado pelos abutres do mercado e seus fantoches que têm o cinismo de se passar por paladinos da civilização, da democracia e da liberdade.

Mais que de solidariedade, que é imprescindível e inadiável, o valoroso Povo do Rio Grande do Sul é merecedor de respeito e reconhecimento de sua dignidade, por uma questão de consciência, lealdade e empatia. Altivo, o Povo Gaúcho lutou não só contra os desmandos durante o chamado período ‘imperial’, em que parte da família real portuguesa manteve sua hegemonia a ferro e fogo, perseguindo republicanos, abolicionistas e lutadores pela independência efetiva do Brasil em todos os quadrantes deste território de dimensões continentais. Não esqueçamos da brava gaúcha Anita Garibaldi, uma das protagonistas da revolução popular que em fins do século XIX consolidou a Unificação Italiana.

No século XX, o Rio Grande do Sul foi palco de célebres marcos históricos, como o início da Coluna Prestes, liderada pelo verdadeiro capitão (não como esse covardão que amarela o tempo todo, um inominável) Luiz Carlos Prestes; o levante da Revolução de 1930, sob a liderança de Getúlio Dornelles Vargas, o maior estadista brasileiro no século XX, a despeito de alguns equívocos, como o de dar guarida a camaleões como Filinto Müller, cuiabano de triste memória; a Rede da Legalidade corajosamente empreendida pelo saudoso Leonel de Moura Brizola, que enfrentou o fascismo travestido de patriotada em 1962, quando uns generecos de quepes sujos tentaram impedir a posse constitucional do vice João Belchior Marques Goulart após a renúncia inusitada do mato-grossense Jânio da Silva Quadros, e, sobretudo, as manifestações multitudinárias durante a resistência à ditadura, razão pela qual não por acaso três presidentes do ciclo foram gaúchos: Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, este último, apesar de seus vínculos com o regime de 1964, digno do reconhecimento de estadista.

“Ir passando a boiada, mudando todo o regramento e simplificando as normas ambientais”, lembra-se? É fundamental nos reportar à fala reveladora do vira-latas do inominável para o Meio Ambiente, o tal Ricardo Sales. Durante os quase dois anos e meio de desserviço ao Estado brasileiro, como todo o desgoverno do inominável, puniu fiscais e perseguiu defensores das matas, mananciais e bacias, além de incentivar a ‘exportação’ de madeira de origem ilegal. Foi pego com o bico (porque hiena não tem boca) na botija, por isso seu comparsa não pôde tê-lo mantido, mas conseguiu fazê-lo deputado federal. Ora, nem os mais inocentes acreditariam que quatro anos de desmandos e mais dois e meio de promiscuidade institucional do ‘brimo’ traíra no desmonte da proteção ambiental no País todo são pouco para descompensar o equilíbrio ambiental já fragilizado pelos anos de monocultura de exportação e tudo mais?

Enquanto o bravo e digno Povo Gaúcho trabalhava de sol a sol, alguns parasitas das castas de serviçais se deram ao despeito de jogar para baixo do tapete dos suntuosos palácios de governo, em Porto Alegre como em Brasília (isso ainda no regime de 1964), importantes projetos responsáveis pela proteção da bacia do Taquari [não o daqui, mas o do Rio Grande do Sul] e planos de contenção e drenagem e planos diretores de Porto Alegre. Durante o mandato do digno Governador Pedro Simon e mais recentemente as gestões de Olívio Dutra e Tarso Genro importantes iniciativas foram tomadas, mas interrompidas com a aparição daqueles monstrengos que serviram de fantoches para o golpe de 2016, uma tal de ‘jornalista’ Ana Memélia e seu coleguinha de mesmo naipe Lelé Xixins, nomes que devem ser apagados da história honrada do Rio Grande do Sul.

E o que os xexelentos Memélia e Xixins têm a ver com a tragédia? Como fantoches, lavarão as mãos sujas que têm, não só como péssimos ‘jornalistas’, mas verdadeiros parasitas que serviram de ancoradouro de interesses inconfessáveis ao lado do crápula Eduardo Cunha e todos os canalhas que o secundaram, inclusive o tal Aéreo Never, que com a cara lavada reaparece falando em pacificação do País, depois de ele ter ido de cócoras (ou teria sido de quatro?) à Casa Branca e ao Capitólio, nos Estados Unidos, pedir ajutório para golpear Dilma depois de perder mais uma vez as eleições em 2014.

Com a história não se brinca. Os fatos podem ser jogados na poeira do tempo, mas um dia eles vêm à tona. E reapareceram: no desgoverno do ‘brimo’ temer iscariote, as leis de privatização do saneamento e da energia foram uma das moedas de troca pelo apoio dado por ‘empresários’ canalhas ao golpe. A companhia de saneamento de Porto Alegre, entre outras, foram fatiadas por organizações criminosas transnacionais que não cumpriram as metas estabelecidas anteriormente pelas estatais privatizadas, no tocante aos planos de escoamento e drenagem e de barreiras de contenção aprovados e homologados anterior à farra pós-golpe. Podemos chamar isso de ‘fatalidade’? Nem com a maior cara-de-pau dos capetófilos espalhados por ali e alhures…

MEDIDAS URGENTES

Tempestiva e peremptoriamente, o governo federal vem estruturando diversas frentes de ações, serviços, programas e, agora, políticas regionais de governo para salvar, resgatar, acolher, proteger, socorrer e, inclusive, consolar milhares de cidadãs e cidadãos gaúchos vitimados por esse flagelo climático de proporções nunca antes ocorrido naquele estado. Não por acaso, servidores civis e militares foram designados com o de melhor de seu corpo técnico-operacional para agir com profissionalismo e urgência no socorro às crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiências e adultos de todas as idades.

Além de hospitais de campanha do Ministério da Saúde, Exército, Marinha e Aeronáutica, e de postos de operação e atendimento de instituições como a Defesa Civil Federal, da Caixa Econômica Federal e de 18 ministérios do Governo Federal, Lula liberou o envio de 5,1 mil reais por família atingida pela tragédia, suspendeu a dívida do estado (RS tem a quarta maior dívida do País), enviou 67 bilhões de reais para várias frentes de ações e criou a Secretaria Extraordinária de Reconstrução do Rio Grande do Sul, cujo titular será o atual titular da Comunicação, o gaúcho Paulo Pimenta, o que não onerará o erário.

Como o governador Eduardo Leite é um ativista convicto da cartilha neoliberal, apesar das constantes escaramuças perpetradas por seus pares homofóbicos de dentro e fora do Rio Grande do Sul, ele tinha que, em plena tragédia humanitária, fazer um manifesto em prol do comércio. Seus apoiadores dizem que era necessário naquele momento dar ‘um alento’ aos empresários do estado, como muitos fizeram no início da pandemia, como ‘governo do mercado’. Primeiro que governo é do povo, que o elege para exercer em seu nome, e mais ninguém. Segundo, parece que os assessores não aprenderam com os rompantes do inominável que votos perdidos são os exatos que faltam para a vitória seguinte. Além de puro amadorismo político, sua defesa ardente foi atacada por aliados e ex-aliados, que, homofóbicos, disseram que tudo isso era por conta de seu governo não ter uma primeira-dama que lhe desse alguns toques durante as entrevistas, numa alusão ao desempenho de Janja Silva, a Companheira de Vida do Presidente Lula.

Imperdoável, contudo, é a fala infeliz de uma autointitulada ‘jornalista’ num canal de tv de Brasília. Como não pretendo dar-lhe notoriedade, tamanha a sua obtusidade, prefiro só mencionar o tamanho da desfaçatez que grassa (ou desgraça) o meio. Com ares de madame da década de 1950, a tal ‘jornalista’ tentava transmitir a solidariedade pelas vítimas da tragédia do Rio Grande do Sul, mais ou menos assim: “Claro, né? Você se põe na posição dessas pessoas que perderam tudo. Roubaram minhas joias no final de 2023. Foi doloridíssimo! Eu fico imaginando quem perdeu tudo: sua casa! Imagina uma pessoa que deu um duro danado para comprar a sua cama, seu fogão, sua geladeira, e não tem mais nada, tudo embaixo d’água!”

Se fecharmos os olhos, parece escrete feita pelo genial Jô Soares, mas, para desgraça nossa, é a trágica realidade. Poderia ser também um deboche à la Maria Antonieta, aquela que, ao saber que o povo clamava por falta de pão, sugeriu que seus súditos comessem brioches… É o que dá tirar da grade curricular disciplinas como História Geral, Filosofia, Sociologia e Antropologia Cultural nos cursos universitários. Aconteceu na nefasta Reforma Universitária do Acordo MEC-USAID, de 1968, sob a batuta do coronel Jarbas Passarinho. Aconteceu, de novo, durante os desgovernos do ‘brimo’ e do inominável. Temer vai levar para a cova ter colocado um canalha no ministério da Educação, cujo nome não cito para não lhe dar visibilidade, até por ter negociado a oferta do curso de Medicina em Corumbá com um grande grupo empresarial do ramo do ensino superior, curso pleiteado em rara unanimidade, inclusive com o Pacto Pela Cidadania, para a Universidade Federal.

 *Ahmad Schabib Hany

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