Natural de Florianópolis (onde reside), ele é ator, autor e diretor, atualmente membro do Grupo Armação de Teatro e da Academia Catarinense de Letras e Artes – com inúmeras premiações no currículo, Antônio Cunha possui na essência a força da palavra e a fiel linguagem-expressão da Arte. Assim, assina várias peças e dezenas de espetáculos de sucesso, além de filmes. Por ex., é de sua autoria a emblemática peça “Dona Maria, a Louca”, que já recebeu montagens no Brasil e também em Portugal. Em 2004, lançou o livro “Três Dramas Possíveis”, contendo três de seus principais textos teatrais. Também possui atuação como diretor cênico de óperas, dentre as quais: Cavalleria Rusticana, A flauta mágica, La Traviata, O Barbeiro de Sevilha e Carmen. O artista também disponibiliza belíssimas performances suas em seu canal/youtube ‘Antônio Cunha – Teatro e Literatura’ – através das séries “Outros Autores” (por Antônio Cunha), “Do InVerso a Toda Prosa”, e “Poesia em 3X4”.
É impossível não aflorar a emoção… assistindo ao iluminado talento deste eclético Artista brasileiro – o seu dizer vem da alma, de um dom inato que arrebata, sempre sintonizado na partitura sublime da arte pura e da originalidade! Recentemente, tive o prazer de assistir ao vivo – na Casa do Teatro, Florianópolis/SC – ao espetáculo Crime*, uma das suas grandes produções, quando pude conhecer de perto (e também entrevistar) o amigo e parceiro cultural (já que temos uma canção em parceria: “Suíte para Violoncelo”, que foi gravada em 2021 pelo cantor Gilson Espíndola). *Baseada no famoso caso de Pierre Rivière acontecido em 1835 no interior da França, Crime é uma peça de Antônio Cunha encenada pelo Grupo Armação e que marcou as comemorações do cinquentenário deste tradicional grupo de teatro de Santa Catarina (que foi fundado em 1972). A dramaturgia é encenada por 11 personagens que são vividos por 9 atores, portanto dois atores fazem dois papéis.
Neste nosso encontro em Florianópolis, abordamos (em descontraído diálogo) vários assuntos culturais/artísticos e, claro, falamos especialmente da sua obra e do seu ecletismo profissional. A seguir, alguns trechos desta nossa entrevista:
RUBENIO MARCELO – Você tem consistente trajetória nas artes cênicas em geral e também na literatura… Em tudo, é a palavra e o olhar do cotidiano que direcionam o aspecto transcendente da arte? Ou há mais fatores interagindo na sensibilidade do artista?
ANTÔNIO CUNHA – Isso e muito mais. A matéria-prima de toda atividade artística é a vida, em tudo o que ela oferece, seja no âmbito do que consideramos real, seja em relação àquilo que imaginamos e sentimos.
RUBENIO MARCELO – Fale-nos um pouco mais sobre o espetáculo “Crime” e sobre o Grupo Armação.
ANTÔNIO CUNHA – “Crime” é um texto meu, desenvolvido a partir de um fato real ocorrido em 1835 no interior da França, e cujos autos do processo e tudo mais que envolveu o fato à época foi objeto de um estudo de caso no Collège de France sob a coordenação do professor e filósofo Michel Foulcaud. Esse estudo resultou no livro lançado em 1973 intitulado “Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mão, minha irmã e meu irmão”. Iniciei a escrita do texto ainda em 2001, mas a ideia foi deixada de lado para poder me dedicar a outros projetos. Em 2018 retomei o projeto e concluí o texto, que estreamos em 2022. A peça é uma leitura muito particular do caso que utilizo como pretexto; um veículo que leva a um objetivo estético, buscando provocar possíveis sensações e reflexões a respeito daquilo que nos constitui imaginariamente, perceptivamente e emocionalmente como seres: a perversidade, a bondade, o amor, o anti-amor, por exemplo.
Quanto ao Grupo Armação, é um coletivo artístico fundado em Florianópolis (SC) em 1972, portanto com 50 anos de atividade e que tem no currículo em torno de 70 espetáculos. Desde 1986 o Grupo mantém um espaço cultural chamado Casa do Teatro, instalado em um sobrado centenário na praça central da cidade e que comporta um pequeno teatro de 40 lugares.
RUBENIO MARCELO – Dos personagens que você criou e/ou representou, quais os que mais lhe marcaram? E quais as influências que se refletem em suas produções?
ANTÔNIO CUNHA – Sobre a primeira questão, eu destacaria dois personagens pela sua complexidade e completude: Dona Maria I, do monólogo “Dona Maria, a Louca”. Essa peça recebeu montagens diversas: em Santa Catarina, em São Paulo e em Portugal, todas com atrizes diferentes, e uma montagem em forma de leitura encenada por mim mesmo. Outro personagem que eu destaco é Deus, do também monólogo “Eu Confesso”, interpretado pelo ator catarinense Edio Nunes e que chegou a mais de 70 apresentações entre 2014 e 2018. A respeito das influências que se refletem em minhas produções, difícil destacar uma, pois são muitas. Procuro estar atento a todos os movimentos, experiências, propostas que circulam e, confesso, em muitos casos não me furto em experimentar.
RUBENIO MARCELO – Em qual atividade o artista Antônio Cunha mais se realiza: como dramaturgo/ator ou como diretor?
ANTÔNIO CUNHA – Para mim, particularmente, elas se complementam. Eu uso as experiências que tenho nessas três áreas para realizar cada uma.
RUBENIO MARCELO – Qual a relevância da Luz num espetáculo?… O que de especial deve haver entre o papel do iluminador e as cenas do palco?
ANTÔNIO CUNHA – Todo elemento que é posto em cena só se justifica se tiver uma função, ainda que puramente estética. Mas alguns elementos são obrigatórios, por exemplo, o espaço físico (seja ele convencional ou não) e a iluminação (seja ela natural como num espetáculo ao ar livre durante o dia, seja ela concebida especialmente para um determinado espaço). Já que a luz é, portanto, necessária, por que não transformá-la em elemento de feito artístico? Esse é o entendimento desde que a tecnologia permitiu o manuseio versátil dos elementos de iluminação. A partir disso, se torna possível pensar a luz cênica como algo integrado à narrativa, estabelecendo ligações, criando volumes e perspectivas, presumindo climas e clímax. O trabalho do iluminador, nesse sentido, é essencialmente artístico, devendo, no entanto, estar em perfeita integração com a concepção geral da direção.
RUBENIO MARCELO – Há mais ficção ou realidade nas suas produções para o teatro? Quais os seus futuros projetos?
ANTÔNIO CUNHA – Não costumo fazer essa divisão, pelo menos intencionalmente. Tudo se mescla. O propósito é fazer arte e tanto o real quanto o imaginário são matérias-primas necessárias. Dois de meus textos, por exemplo, foram escritos a partir de personagens reais, com base em fatos reais (Dona Maria, a Louca e Crime). No entanto, a partir do momento que vão à cena tomam a dimensão própria da arte.
No que se refere a novos projetos, além de retomar a carreira do espetáculo Crime durante este ano, planejo preparar a montagem de uma nova peça com o Grupo Armação, com texto a ser definido. Além disso, tenho compromisso assumido com a direção de duas óperas aqui em Santa Catarina, especialidade que também desenvolvo por aqui desde 2004.
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*Rubenio Marcelo (Colunista desta página) é poeta, escritor, ensaísta e compositor, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, autor de várias obras publicadas, inclusive o livro ‘Vias do Infinito Ser’: indicado para o Vestibular da UFMS e triênio PASSE.
Parabéns, amigo e confrade! Excelente e interessante entrevista!
Rubênio, pessoa tão simples, com múltiplas facetas. Cantor, escritor, músico, autor de tantos trabalhos. Grande compositor. Sinto- me honrada por ter ter um dia conhecido, em Gramado, ele e sua esposa. Não tenho o dom das palavras para descrevê-lo, mas sigo as suas obras com orgulho e muita simpatia.
Muito boa a entrevista de Rubenio Marcelo com o dramaturgo Antônio Cunha.
Ficou a curiosidade em torno de seus espetáculos e personagens.
Florianópolis é uma bela cidade onde brilharam gênios como o poeta Cruz e Sousa.
Parabéns a todos e ao Grupo de Teatro Armação.