De janeiro a abril deste ano, o Brasil contabilizou 500 mil casos de dengue. Estudos apontam para um futuro em que regiões frias e secas também sejam berços da doença. E as notícias não se restringem apenas à dengue, mas também ao zika vírus, com a ameaça da microcefalia, à chikungunya e ao assombro da doença prolongada. Todos os anos, o número de vítimas dessas doenças, todas causadas pelo mesmo vetor – o mosquito Aedes aegypti, surpreende e assusta Brasil afora. Embora o ciclo do problema seja bem conhecido, assim como sua prevenção, o quadro é o mesmo, ano após ano. Na próxima temporada de chuvas, nos veremos aqui, nesse mesmo horário, nesse mesmo canal.
A questão vai além do alerta à população quanto aos cuidados nos quintais de suas casas, com os vasos de plantas, pneus e caixas d’água. Enfrentar esse problema depende de uma ação conjunta entre os governos federal, estadual e municipal, as instituições — públicas e privadas — e os cidadãos. Ao contrário do que muitos pensam, muitas pessoas estão envolvidas nesta causa, limpando os possíveis focos visíveis de suas propriedades, em suas caminhadas ou visitas aos parques. Entretanto, nem todos os criadouros estão à vista. O Aedes aegypti se adaptou muito bem ao ambiente urbano e a fêmea é especialista em encontrar os locais mais protegidos para abrigar seus ovos — como toda mãe! Muitos dos criadouros ficam escondidos em locais de difícil acesso, impossíveis, muitas vezes, de serem notados pelas pessoas. Por isso, é preciso atualizar nossas estratégias. O mosquito é esperto e nós precisamos ser ainda mais.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para prevenir e controlar a doença, é preciso lançar mão de medidas efetivas para controle do mosquito vetor. No entanto, nos últimos 20 anos, pouco mudou em relação aos protocolos de combate à dengue e à prevenção da infestação de mosquitos: nebulização com inseticidas, visitas de agentes de casa em casa e campanhas de conscientização são, atualmente, as principais armas usadas. O princípio ativo dos inseticidas utilizados foi substituído algumas vezes, já que o Aedes aegypti tem desenvolvido resistência aos químicos utilizados em velocidade assustadora. Larvicidas biológicos foram incorporados ao rol de ferramentas, mas dependem da visita de casa em casa ou de equipamentos mais caros de aplicação aérea e só têm efeito onde cada gota atinge a superfície — nada de alcançar o esconderijo das fêmeas para as larvas recém-eclodidas. O controle de mosquitos baseado em insetos autolimitantes é uma alternativa inovadora, sustentável, segura e eficaz para complementar o arsenal, já aprovada para uso no Brasil, mas ainda não foi adotado pelo Programa Nacional de Combate à Dengue (PNCD).
Se nossa saúde exige uma série de hábitos preventivos, por que seria diferente quando o assunto é dengue? Se estamos sempre em busca do que há de mais moderno para tratar questões do nosso cotidiano, por que seria diferente quando se trata de saúde? A Fiocruz publicou, em 2019, um artigo mostrando a ampla resistência do Aedes aegypti ao temefós e à deltametrina, principais inseticidas empregados há muito tempo contra mosquitos no Brasil, o que levou o Ministério da Saúde a substituir os químicos usados no combate ao vetor pelos municípios brasileiros. No entanto, no mesmo artigo, os especialistas questionam a eficácia do controle químico como única metodologia de controle de vetores. Os antigos inseticidas não funcionam mais e os novos estão perdendo sua eficácia rapidamente — sem mencionar sua toxicidade e impacto no meio ambiente.
Atualizar esses protocolos é fundamental neste momento. Já temos tecnologias eficazes, incluindo opções biológicas e sustentáveis, prontas para serem adicionadas ao rol de ferramentas existentes para o manejo integrado da praga. Soluções comprovadamente eficazes e que estão no mercado precisam começar a ser utilizadas de forma mais ampla pela população, pelas empresas e pelos governos. A melhor forma de atacá-lo é a prevenção — não podemos deixar que os ovos eclodam em larvas e estas gerem uma população de mosquitos que cresça e tome conta das áreas urbanas, silenciosamente, até que o barulho e a reação aconteçam, quando as pessoas começam a adoecer.
As mortes e sequelas deixadas pela dengue e pelas outras doenças causadas pelo Aedes aegypti são graves e não podem ser banalizadas. O impacto socioeconômico é enorme — bebês com má formação, absenteísmo nas empresas, profissionais liberais com renda reduzida enquanto se recuperam, a ocupação dos hospitais e das clínicas de saúde, o impacto econômico nos custos dos hospitais públicos e dos planos de saúde. Essas são mazelas evitáveis. Está nas nossas mãos não apenas limpar nossos jardins, mas também buscar e cobrar soluções comprovadamente eficazes para a questão; nos prepararmos e agirmos no controle do vetor na hora certa e não apenas reagir à doença. Caso contrário, estaremos no ano que vem, mais uma vez, assistindo ao mesmo noticiário: mortes, pessoas saudáveis internadas, a falta de leitos e a busca por uma solução em março ou abril que, na verdade, só virá quando tomarmos precauções no decorrer de todo o ano. Se nada for feito, nos veremos de novo aqui, neste mesmo ciclo, assim que voltar a chover.
*Natalia Verza Ferreira é cientista, doutora em Genética e Biologia Molecular e diretora da Oxitec do Brasil.