Com profunda tristeza soube, pela professora Terezinha Baruki, do encantamento do senhor Lincoln Gomes, pai da querida Consuelo Gomes Maia, amiga de adolescência que adotei de minhas irmãs, e da professora Laura Gomes. Conheci Seu Lincoln, como nos acostumamos a chamá-lo com toda a reverência, por meio de meu saudoso pai. O então jovem senhor era funcionário do Banco do Brasil e fazia Psicologia na mesma turma em que também cursavam meu saudoso irmão Mohamed e o pastor Cosmo Gomes de Souza, reverendo da escola da Primeira Igreja Batista de Corumbá, onde cursei o preparatório para o exame de admissão ao ginásio na década anterior.
Bastante afável, Seu Lincoln atendia todos os clientes da concorrida agência bancária que o procuravam com a mesma atenção e deferência, gesto que desde minha infância ficara marcado. Mas foi na Missa de Sétimo Dia de falecimento de meu irmão, em setembro de 1974, que sua atitude me marcou definitivamente: como colega de turma, fez questão de entoar, com sua singular voz de tenor, belos hinos religiosos, que emocionaram a todos os presentes. Aquele gesto foi mais que um ato solidário de colega de turma. A morte não esclarecida de meu irmão constara oficialmente como suicídio (com base em declaração de um adolescente de 15 anos, eu, tomado pelo impacto de ver seu irmão inerte, sem ter sido feita qualquer investigação ou perícia pelas autoridades policiais), o que na época não permitia celebração póstuma — no entanto, ele e outros colegas foram até o bispo diocesano, Dom Ladislau Paz, e mediante argumentos que ficaram com eles, foram celebradas as missas de Sétimo Dia e de 30º Dia, na Igreja Matriz, além de uma inesquecível homenagem de seus colegas na cerimônia de formatura, um ano depois.
Desde então, Seu Lincoln passou a ser muito mais que um colega de turma de meu saudoso irmão, mas um Amigo (desses com letra maiúscula) que afavelmente conversava conosco, fosse na agência em que trabalhava ou em eventos em que estivéssemos juntos. Um de seus últimos cargos no banco foi o de responsável local pela Carteira de Comércio Exterior (Cacex), vinculada ao Departamento de Comércio Exterior (Decex) do Banco do Brasil, extinto posteriormente pelo governo Collor. Até então, a Cacex local, sob sua responsabilidade, emitia boletins com o movimento diário das exportações para a Bolívia por Corumbá, de um milhão e meio de dólares em média, enviados para toda a imprensa local e regional.
Elegante, atencioso e rigorosamente profissional, Seu Lincoln marcou sua permanência no Banco do Brasil por sua cordialidade tipicamente corumbaense e sua postura de lorde inglês, aliás, um cavalheiro completo. Além disso, como católico, sua participação nas cerimônias mais importantes da Catedral de Nossa Senhora da Candelária, como tenor do memorável Coral da Matriz, o tornaram uma presença cativa nos meios culturais. Em julho de 1991, o nome de Seu Lincoln surgiu quando fui hipotecar solidariedade ao também saudoso médico e professor Salomão Baruki — não apenas fundador do Instituto Superior de Pedagogia (depois Centro Pedagógico da UEMT e posteriormente Centro Universitário da UFMS, hoje CPAN), mas criador do então Instituto Luiz de Albuquerque de Pesquisas e Estudos Regionais (ILA) quando secretário de Educação e Cultura do último governo de Mato Grosso uno, na gestão do governador Cássio Leite de Barros –, que havia sido destituído, sem prévia comunicação e pelo Diário Oficial, da coordenação do ILA que ele mesmo criara treze anos antes, e colocado em seu lugar um amigo bem próximo, o advogado Walmir Coelho, no governo de outro amigo seu, Pedro Pedrossian (em cuja primeira gestão, no velho estado uno, havia criado, a pedido seu, o Instituto Superior de Pedagogia, mais tarde vinculado à UEMT).
Não por acaso, quando começamos os preparativos do primeiro evento de sensibilização pela revitalização da à época Casa de Cultura Luiz de Albuquerque (ou ILA), em agosto de 1991, o recém-aposentado e prestigiado Lincoln Gomes foi uma unanimidade para a presidência da Sociedade dos Amigos da Cultura, responsável pela realização da Primeira Semana da Cultura (de 14 a 20 de setembro daquele ano). E por meio das atividades feitas com o agora saudoso Amigo pude conhecer os igualmente Amigos Augusto César Proença, Armando Lacerda e Mário Sérgio Abreu, além do saudoso escritor gaúcho-pantaneiro Walmir Crocce, integrantes da primeira diretoria responsável pela mobilização pioneira da sociedade local em defesa de seu patrimônio histórico, artístico e cultural.
Aliás, durante a realização desse evento, Dom José Alves da Costa, saudoso bispo diocesano de Corumbá entre 1991 e 1999, então recém-chegado, se identificou com a sagrada pugna em favor do ILA e do patrimônio histórico local, tendo posteriormente coordenado o Pacto Pela Cidadania (Movimento Viva Corumbá), a partir de sua fundação, em junho de 1994. Assim, no derradeiro governo do doutor Wilson Barbosa Martins, a então secretária de Cultura, professora Idara Duncan Negreiros, realizou a primeira restauração do ILA, cuja revitalização ficou consignada no Programa Pantanal, financiado pelo BID, mas que não saiu das intenções.
Depois de ter ficado viúvo da eterna companheira de sua Vida, Dona Terezinha de Souza, Seu Lincoln se afastou discretamente das atividades de cidadania em Corumbá, passando a maior parte de seu tempo ao lado de suas queridas filhas e familiares por várias cidades do Brasil. Nossos últimos contatos foram por meio das redes sociais, sempre dentro de temáticas relativas à cidadania ou à política. Não foram muitas, mas intensas, as nossas conversas pessoais sobre Corumbá e suas justas demandas, mas seu espírito desassossegado de cidadão a toda prova, acima de nossas diferenças políticas e filosóficas, sempre me marcou em sua trajetória de corumbaense emblemático.
Nossos sentimentos, com profunda e sincera emoção, para a querida Consuelo, a professora Laura e a todos os membros de sua querida família, cujo luto é compartilhado por todos os que o conheceram, estimaram e admiraram em Vida, sobretudo por sua grandeza de alma.
Até sempre, Seu Lincoln!
*Ahmad Schabib Hany