A luta da humanidade contra o COVID-19 se dá, em parte, nos hospitais; mas na maioria dos casos, ela ocorre no isolamento de casa. Nesse último ambiente, é uma luta que se trava não indo aos campos de batalha, muito menos olhando para frente tentando perceber os movimentos do inimigo. A luta que se trava dentro de casa é olhando para dentro de si, pois o inimigo, desta vez, está dentro de nós.
A reclusão social fez com que muitos indivíduos voltassem para o interior de si e isso é muito interessante. Fazia um bom tempo que as horas infinitas de trânsito e de trabalho não davam lugar aos apelos da alma, ou melhor, ao ócio, aos sonhos e aos sintomas leves. No ritmo do cotidiano anterior ao coronavírus, um indivíduo só iria parar e prestar atenção em si após um infarto, se ele sobrevivesse.
Hoje, no ritmo do ficar em casa, do home office, do cozinhar para si, etc., muitos colegas e amigos tem se queixado comigo que passaram por um ou outro episódio de ansiedade, depressão, pânico ou qualquer outro nome que eles queiram dar para seus sintomas. Outros, até achando engraçado, confessaram que após terem conhecimento dos sintomas do COVID-19, sentiram os sintomas, mesmo não tendo o vírus. Uma explicação para esses casos pode estar alicerçada nas incertezas do mundo a partir de agora; entretanto, me pergunto se as sementes das ansiedades, depressões e pânicos já não estavam plantadas e aflorando antes mesmo da pandemia e nenhum desses meus colegas tinha tempo para percebê-las.
O tripalium é um instrumento de tortura medieval e a palavra que deu origem ao termo “trabalho”. A principal consequência negativa do trabalho, assim como o instrumento que lhe deu origem, é o martírio do corpo. Quantas vezes não vemos pessoas dormindo no transporte público exaustas por terem trabalhado o dia inteiro? Quantas vezes não engolimos as emoções porque devemos ser máquinas perfeitas em nosso trabalho? Palavras como meritocracia, enraizadas no trabalho como conhecemos hoje, defendem que o indivíduo deve se esforçar ao máximo para ganhar a sua posição social e o seu dinheirinho “suado”, independente de sua posição inicial. Essa ideia já construída de trabalho faz com que cada vez mais o indivíduo desconsidere seu corpo, suas emoções e sentimentos em prol do mérito e reconhecimento. É aquele famoso paradoxo, de que é quase impossível para 99% da população possuir saúde, tempo e dinheiro ao mesmo tempo.
No momento atual, a preocupação com o vírus foi tamanha (e correta) que nem mesmo tal ideia de trabalho pôde evitar que cada um de nós olhasse para dentro de si e percebesse, no mínimo, um sintoma aqui ou acolá. Isso não deixa de ser saudável e nada mais é do que uma conversa inicial consigo mesmo, uma reconexão com as próprias emoções e sentimentos que nos habitam; é, portanto, um convite e um chamado da alma.
*Leonardo Torres, Professor e Palestrante, Doutorando em Comunicação e Pós-graduando em Psicologia Junguiana