Setembro Amarelo: Depressão e suicídio na infância

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A depressão é um problema de saúde pública que pode acometer qualquer faixa etária e atingir, de maneira diferente, a depender da fase da vida, segundo a Organização Mundial da Saúde. Por esse viés, a depressão infantil é um assunto que deve ser tratado com sensibilidade e seriedade.

O professor de Medicina na UEMS e PhD em saúde mental, José Carlos Souza e o acadêmico de Medicina Bruno Makimoto Monteiro, em recente artigo destacaram que a depressão na infância é uma doença orgânica com variáveis biopsicossociais. “Existem alterações neuroquímicas cerebrais especialmente da serotonina, noradrenalina e dopamina, que são neurotransmissores responsáveis pelo humor, sono, apetite, prazer, vontade, entre outros. Podem ser causas desta disfunção a herança genética (de pais e outros parentes depressivos), anormalidades e/ou falhas em algumas áreas específicas do cérebro”, relatam.

Outros motivos para a depressão infantil seriam a falta de resiliência (isto é, dificuldade no enfrentamento de situações adversas da vida, como a separação dos pais sem o devido preparo e orientação do menor); maus tratos e negligência em seus cuidados; abuso sexual, moral e emocional; baixa autoestima; aspectos culturais e familiares; abandono infantil; privação materna e psicopatologias dos pais, de acordo com a psicóloga Josiane Huttel no livro “A depressão infantil e suas formas de manifestação”.

“Em decorrência disso, aspectos importantes do desenvolvimento tanto neuropsicomotor como psicossociais, cognitivos e interativos familiar podem ser prejudicados na criança”, acrescenta José Carlos.

Sinais da Depressão na Criança

Conforme o professor e o acadêmico detalham, entre os sinais e sintomas mais comuns da depressão infantil, estão a dor de cabeça e abdominal, fadiga, tontura, dificuldade de concentração (muitas vezes confundida com o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), ansiedade presente ou antecipatória (“sofrer por antecipação”), fobias (medos irracionais), agitação motora, irritabilidade, prejuízo no apetite e no sono, diminuição do peso corporal, urinar na própria roupa (enurese), encoprese (evacuar na própria roupa), tristeza, isolamento social, auto e/ou heteroagressividade, autocrítica e autodepreciação, perda do interesse e prazer pela escola e pelo brincar, pesadelos e terrores noturnos, ideias e planos suicidas, automutilações, entre outros.

“Além disso, independente da faixa etária, classe socioeconômica, sexo, entre outros aspectos sociodemográficos, a depressão pode ser leve, moderada ou grave, sendo que nesta última há atitudes parassuicidas e suicidas”, destaca o professor.

O docente da UEMS ressalta que os cuidadores devem estar atentos a tais tipos de manifestações, as quais podem culminar com tentativas de suicídio propriamente ditas. Os menores, com frequência, têm consciência do perigo que estão passando; entretanto, alguns de seus conflitos inconscientes podem prevalecer, levando-os a praticarem atitudes de risco numa tentativa de mobilizar a atenção dos seus conviventes.

Cabe ressaltar que as crianças não são miniaturas de adultos; com efeito, podem se desesperar perante situações amargurantes e existenciais. “Assim, é essencial a ajuda de seus cuidadores para se detectarem estas intenções e se prevenirem das tentativas de autoaniquilamento”, destaca a psicóloga Josiane Huttel.

Tratamento Correto

José Carlos esclarece que o diagnóstico da depressão é clínico, realizado através da anamnese, que é a história de vida da pessoa e o exame do Estado mental, em que se avaliam as funções mentais como atenção, memória, sono, apetite, humor, afetos, emoções, instinto de vida e morte, atitude de automutilação, ideação e planejamento suicida. Quando bem feito, o tratamento é altamente eficaz e evita que a depressão prossiga na adolescência, na vida adulta e com o idoso, enfatizando que esta terapêutica deve ser multidisciplinar, ou seja, o paciente e toda a sua família/cuidadores precisam ser envolvidos no processo.

Logo, a escola possui um papel importante, integrando-se ao tratamento e entendendo a situação da criança depressiva, sem preconceito e estigmas. “Se não for assim, o ambiente escolar pode até mesmo atrasar o diagnóstico da criança, quando já existem comprometimentos sérios biológicos, psicológicos, sociais e ambientais”, evidencia o PhD em saúde mental.

Estudos do PhD em saúde mental, José Carlos Souza, registrados em suas obras “Psicopatologia da infância e adolescência e Psicopatologia e Psiquiatria Básicas”, explicam que o uso de medicamentos antidepressivos, ansiolíticos e/ou hipnóticos também pode ser ministrado às crianças, pois não causam dependência química. Dentro dessa perspectiva, é oportuno dizer que a dose para o paciente infantil é menor do que a dos adultos; e a troca de medicamentos é comum, para se alcançar a posologia mais adequada.

Na prática médica diária, segundo o docente da UEMS, percebe-se que o atraso na procura do tratamento é muitas vezes em virtude do sentimento de culpa dos pais e/ou responsáveis em relação à depressão na criança. Este fato é mais evidente quando os cuidadores negligenciam as atitudes parassuicidas (isto é, atos que levam ao risco de morte, mas não há uma clara intenção de se matar), como as automutilações e a prática dos desafios de jogos, tal qual ocorreu com a Baleia Azul e outros.

“Da mesma forma, este sentimento de culpabilidade aflora na medida em que a criança expressa ideias e planos suicidas, na maneira e linguagem dela, que podem ser subliminares”, complementa o médico.

Crianças Podem Praticar Suicídio

Eventualmente, o suicídio retorna aos centros das atenções seja por que alguma produção artística, como a publicação do livro “Os sofrimentos do jovem Weither” do filósofo Goethe, em 1774 (REVISTA ARCO, 2019), ou da série “13 Reasons Why”, em 2017 (EL PAÍS, 2019), seja por algum acontecimento midiático, como os casos envolvendo o jogo da Baleia Azul ou, mais recentemente, do Homem-Pateta (CATRACA LIVRE, 2020). Mesmo com tais aparições, relativamente esporádicas no âmbito da opinião pública, essa problemática é contínua e tratar da mesma ainda gera opiniões divergentes.

O psiquiatra ressalta que se percebe é que parte da sociedade ainda é preconceituosa quanto a isso. “Falar sobre o suicídio o previne e não o estimula. O preconceito e o estigma em relação a este problema de saúde pública têm feito com que Campo Grande e Mato Grosso do Sul ocupem, respectivamente, os maiores índices de suicídio entre as capitais e os estados brasileiros”.

Para José Carlos, se a intenção é mitigar os números de tentativas de suicídio, bem como a concretização das mesmas, o enfoque precisa ser dado nas causas da problemática. Para tanto, ao invés de procurarem esconder tal assunto, fato que reforça o tabu em seu entorno, é preciso que haja um esforço para que o mesmo ocupe os espaços de comunicação, a fim de tornar claro suas razões e os mecanismos para o surgimento da doença. Tal prevenção deve ocorrer não somente no “Setembro Amarelo”, mas no ano inteiro.

Seguindo essa lógica, deve-se alertar familiares e amigos de que as crianças não só podem ter ideia da dimensão e gravidade de um ato suicida, como também são capazes de se automutilarem e tomarem medidas que visem à interrupção de sua existência.

É de suma importância que pais e professores conversem abertamente com as crianças sobre sentimentos, angústias e medidas de enfrentamento diante de fatores estressores. Isto para que se possam identificar sintomas de sofrimento psíquico, mesmo que minimamente, para que os devidos indivíduos sejam encaminhados aos profissionais especializados (como psiquiatras, psicólogos, pediatras, neurologistas, entre outros). Os pais, cuidadores e a sociedade em geral não devem negligenciar a questão do suicídio, na infância e adolescência; aliás, em nenhuma faixa etária. Tais medidas só poderão ser colocadas em prática, a partir do momento em que se fale amplamente sobre o suicídio e quando se estiver bem claro que, desde a mais tenra idade, crianças também podem se matar.

Live Debate Sobre o Tema

Na noite de 10 de setembro, às 19h00, o professor José Carlos Souza participará da Live “Suicídio: um olhar atento pode valer uma vida!” promovida pelo promotor do Tribunal do Júri, Douglas Oldegardo no seu perfil no Instagram: @oldegardo

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