O que, afinal, move as elites caducas desta América Latina de tanto sofrimento e saques intermináveis?
Inveja? Vocação para a traição? Entreguismo compulsivo? Ganância? Parasitismo? Complexo de inferioridade? Soberba? A certeza da impunidade?
A história demonstra de modo eloquente a total falta de razoabilidade, prudência, no comportamento serviçal e doentio das, e dos ‘filhos da pátria’ desde os mais remotos tempos coloniais: de origem parasitária, lumpesinato em sua essência, as elites latino-americanas têm suas patas sujas do sangue honrado e leal dos povos originários e dos povos africanos escravizados, que constituem a maioria da população.
Desde sempre, protegidos pelo manto nefasto da impunidade: obtido pela troca de favores mal havida e contaminada pela corte feudal que se enriqueceu por meio do mercantilismo, sem ter saído de seu universo medievalista, destituído de lei, ética e sensatez. Isso, aliás, facilitou a chegada dos ‘novos ricos’, chegados tempos depois, mas que reproduziram sem qualquer pudor ou respeito essa ilógica relação de exploração e opressão.
O assassinato, no Equador, de um dos oito candidatos à presidência, expõe a insensatez e ausência de princípios de humanidade e democracia dessas elites. Fernando Villavicencio estava em quinto lugar nas pesquisas pré-eleitorais, liderada por Luisa González, que é correligionária do ex-presidente perseguido Rafael Correa. A eleição foi antecipada em um ano e meio pelo golpismo do banqueiro e atual ocupante da presidência, Guillermo Lazo, cuja vitória foi obtida por meios duvidosos e, incapaz de governar democraticamente, teve seu mandato encurtado, mas que teima em colocar um dos seus, a despeito da rejeição explícita do povo equatoriano.
Tal qual Peru e Bolívia, o Equador tem uma imensa maioria de origem Quéchua (povos originários de ascendência incaica) e riquezas naturais incomensuráveis. Não é país pobre, mas a distribuição de renda é vergonhosa, pois desde os tempos coloniais as elites serviçais oprimem seu povo e se entregam ao parasitismo entreguista das ex-metrópoles coloniais (atuais potências ocidentais). Confesso não esconder a vergonha de ver famílias de imigrantes árabes vivendo em condições nababescas, pirateando o futuro daquele país, tratado igual ao valoroso povo palestino pelo estado sionista de Israel.
Ao contrário da hospitalidade do povo andino e amazônico, os criminosos instalados no Equador no século XX, muitos de origem árabe e europeia, teimam em fazer do país terra de ninguém, onde a pirataria campeia solta e as quadrilhas internacionais o tornaram um paraíso de todas as formas de tráfico (armas, drogas, pessoas e científico, pois há o banco genético amazônico). Assim como o Peru, governado por uma fantoche de interesses transnacionais, o Equador paga caro por suas reservas naturais, além de importantes destinos de turismo e universidades centenárias de grande trajetória histórica.
O desmonte do Estado equatoriano e de suas políticas sociais inclusivas desenvolvidas no período de governo de Rafael Correa — daí porque a sua correligionária hoje é a favorita nas eleições para mandato-tampão — foi fator determinante para o aumento da miséria, da violência e das atividades criminosas ligadas ao narcotráfico transnacional. Pelo menos a partir de 1998, quando reascenderam as escaramuças de uma guerra interminável com o Peru pelo controle da região de Cenepa (ou Twinza), que se arrasta desde 1928, o aumento da corrupção das forças de segurança serve de biombo para o fortalecimento de quem é pago para dar segurança ao país andino.
Pouco mais de dez anos atrás, Rafael Correa, professor universitário com sensibilidade social, inspirado nas transformações promovidas no Brasil pelo Presidente Lula e na Bolívia por Evo Morales, fazia um governo de grande inclusão social, interrompida pelo traidor ex-vice-presidente Lenin Moreno quando eleito em sua sucessão, que por trinta moedas se vendeu para o império (não esqueçamos de que estava refugiado na embaixada equatoriana em Londres Edward Snowden, jornalista sueco que desmascarou os Estados Unidos com sua rede de espionagem atentando contra a soberania nacional de todos os países do Planeta).
Esse trágico atentado à democracia e ao convívio político compromete todo o cenário das democracias latino-americanas. A ousadia com que organizações criminosas ligadas ao parasitismo econômico e social acende o sinal de alerta de todas as nações do continente. Tanto a Argentina, cuja vice-presidenta Cristina Kirchner, meses atrás, escapou de um atentado a bala, quanto o Brasil no início deste ano, encontram-se enfrentando o pior tipo de político, porque, além de fascista, sem qualquer respeito pelo convívio democrático e social, é ligado ao crime organizado, como milicianos, garimpeiros e madeireiros.
No caso brasileiro, esse comportamento se revelou entre 2013 e 2022, tendo atingido seu mais cínico ápice em 8 de janeiro deste ano, quando da vergonhosa intentona fascista, de triste e vergonhosa memória. Mas a tradicional impunidade caiu por terra: como ensina a sabedoria popular, a justiça tarda mas não falha, independentemente da patente dos réus e dos cargos dos golpistas: um a um, estão a pagar pelos seus crimes contra o Estado de Direito, a soberania nacional, popular e tecnocientífica. Pairam até hoje dúvidas em relação a dois acidentes aéreos, que mataram respectivamente o então candidato Eduardo Campos (PSB) e o ministro Teori Zavaski, do Supremo Tribunal Federal (STF), crítico da turma da ‘Leva Jeito’, que acintosamente comemorou “We trust in Fux”.
De um lado, a ‘cançeira’ (com cedilha, como grafavam seus cartazes) das madames que, sem qualquer pudor e sensatez, saíram às ruas nas maiores metrópoles deste país de dimensões continentais para se mostrar, entre um gole e outro dos mais caros champanhes importados, ‘cançadas’, ou melhor, indignadas, com as conquistas sociais do povo brasileiro, que então podia viajar de avião, comprar o que quisesse nos mercados e portais do e-comerce, estudar os cursos universitários que quisesse nas universidades que melhor lhe aprouvesse e, sobretudo, a Lei das Empregadas Domésticas, que sepultou de vez a senzala no cotidiano da residência daquelas madames que não saem das rodinhas da casa grande mas que se ‘esquecem’ de que todo e qualquer trabalhador ou trabalhadora brasileira tem seus direitos assegurados em lei.
De outro, os viúvos e órfãos da (mal)ditadura, que, com implantação da Comissão da Verdade, por ato do governo da Presidenta Dilma Rousseff, viram seus ‘heróis’ de meia pataca serem desmascarados por atos de tortura, de lesa-humanidade, uma série de atos e atentados sistemáticos contra a Vida e os valores civilizatórios construídos ao longo de milênios pelas sociedades humanas. Feito pavio de pólvora, pronto para explodir, espectro do obscurantismo que ceifou Vidas, hoje estão associados a milicianos que tomaram de assalto os moradores das periferias das metrópoles (e, por tabela, garimpeiros, traficantes de drogas, armas e pessoas, matadores de aluguel, madeireiros, grileiros e similares), ao lado de ‘cristãos’ sionistas que, em vez de pôr em prática o ensinamento de Jesus Cristo, disseminam a intolerância, a mentira e o ódio com o maior cinismo por meio de milícias digitais.
Não era preciso ter passado pelo que passamos: retrocessos abissais nas políticas públicas construídas ao longo de décadas, desmonte do Estado, ‘empoderamento’ das milícias e dos falsos patriotas, fardados ou não, endividamento bilionário para saciar o apetite das corporações financeiras e parasitárias mundo afora. Todos perdemos com essas aventuras. Como hoje, quando é velado um candidato a presidente do Equador, todos os democratas do mundo perdem muito, inclusive a sua razão de ser.
Ao contrário da ‘lógica’ perversa dos cretinos que tomaram de assalto os destinos das nações latino-americanas até há pouco tempo, de que “aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”, a Justiça tarda, mas não falha.
*Ahmad Schabib Hany