Mesmo antes do início de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro jamais escondeu que o tema trânsito era algo que o desagradava, e nunca se poupou em alegar a existência de uma suposta “indústria da multa”.
Para Bolsonaro, existem leis, regras e procedimentos que fomentam uma estrutura com fundo arrecadatório, sem benefícios reais à segurança de tráfego. Desde que iniciou seu mandato, o presidente eleito já disparou uma quantidade notável de decisões com grande repercussão.
Até o momento, essas foram as intervenções do Governo Federal.
Dezembro de 2018
Já eleito, e ainda antes de assumir o posto, Bolsonaro divulgou pelo Twitter a promessa de estender a validade da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) de cinco para dez anos.
Fevereiro de 2019
Empossado, Bolsonaro lista as novidades anunciadas por Tarcísio Freitas, ministro da Infraestrutura: 1) ampliação da validade da CNH, 2) fim da obrigatoriedade das aulas de direção em simuladores de autoescolas.
Além disso, anunciou que medidas que afetam caminhoneiros seriam revistas ou extintas. No fim do mês, Jerry Dias, presidente do Denatran, solicitou alguns estudos às Câmaras Temáticas do Contran. Dentre eles, uma “revisão do formato atual proporcionando condições de fiscalização voltada para a redução de acidentes e não simplesmente para a aplicação excessiva de multas”.
Março de 2019
Em uma transmissão ao vivo, bem ao gosto do presidente, Bolsonaro declarou guerra aos métodos de fiscalização de velocidade. Afirmou que não teríamos nenhuma nova lombada eletrônica no país e que as que parassem de funcionar não seriam reparadas.
Abril de 2019
Bolsonaro cancela a instalação de oito mil novos radares em rodovias federais. A juíza Diana Wanderlei, de Brasília, atendeu ao pedido do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) e determinou que a União não deveria retirar os radares das estradas e precisaria renovar os contratos que estivessem prestes a vencer. Em caso de desobediência, a multa diária seria de R$ 50 mil.
Junho de 2019
O presidente Jair Bolsonaro entrega, pessoalmente, o projeto de lei que visa alterar a CNH para Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Entre as mudanças propostas:
– Validade da CNH de 5 para 10 anos para motoristas adultos e de 2 e meio para 5 para motoristas idosos.
– O limite de pontos que uma carteira pode ter antes da cassação dobra: de 20 para 40.
– Fim da exclusividade das clínicas do Detran para emissão de teste de saúde do condutor.
– Extinção da multa para quem transportar crianças sem a cadeirinha.
– Fim da multa para quem não rodar com o farol baixo ligado durante o dia em estradas.
– Revogação da exigência dos exames toxicológicos para motoristas profissionais.
Em outra frente, o Contran muda as regras para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação. A quantidade mínima de aulas práticas para as categorias A e B foram reduzidas, com o objetivo de baratear o processo para a população, e determinou o fim da obrigatoriedade de aulas em simulador.
A necessidade de aulas teóricas e práticas para tirar a ACC (Autorização para Conduzir Ciclomotor), que permite rodar com ciclomotores de até 50 cilindradas, foi extinta até o fim do ano, sendo necessárias apenas as provas teórica e prática. Ficou determinado que a Resolução entraria em vigor em 15 de setembro 2019.
Julho de 2019
Após uma ação do Ministério Público Federal contra a decisão de Bolsonaro de suspender a instalação de novos radares nas estradas federais em abril, a juíza federal Diana Wanderlei determinou em acordo que os radares fixos que já estavam em funcionamento deveriam ser mantidos.
Também ordenou que o DNIT instalasse outros 1.140 aparelhos em pontos críticos no período máximo de dois meses.
Agosto de 2019
No Diário Oficial da União, Bolsonaro publicou diretriz que determina que todos os radares móveis usados em rodovias federais sejam suspensos. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) entra novamente na Justiça contra a determinação do presidente.
“O discurso é tentador, mas o custo para a sociedade é muito alto”, disse Contarato.
Os especialistas dizem
A cruzada de Bolsonaro contra os radares não é bem vista pelos especialistas. “A Polícia Rodoviária Federal não tem efetivo para patrulhar toda a extensão das rodovias federais”, explica Armando Silva de Souza, presidente da Comissão Especial de Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil, ao defender o uso dos radares.
Ele legitima, entretanto, que seja feito um estudo que mostre onde os fiscalizadores eletrônicos são realmente necessários. Renato Campestrini, advogado especialista em trânsito, discorda desta opinião. “Os radares precisam existir para incentivar o condutor a respeitar o limite de velocidade. O condutor brasileiro só respeita as regras de trânsito quando se vê fiscalizado”, diz.
Pontos na Carteira
Nenhum dos dois endossa o aumento do número de pontos permitidos na carteira de motorista. “A simples sensação de que posso cometer mais infrações incentiva o desrespeito às regras de trânsito”, acredita Souza.
Campestrini sugere uma alternativa: a reciclagem preventiva. Ela já é uma possibilidade para os habilitados nas categorias C, D e E, que, quando atingem 14 pontos na carteira, podem fazer o cursinho de reciclagem para zerar a pontuação.
Campestrini acredita que esta possibilidade poderia ser estendida para motoristas das categorias A e B. A proposta de suspensão de exames toxicológicos obrigatórios e a suspensão da multa para quem transporta crianças sem cadeirinha também são criticadas.
Mortes
Tanto Souza quanto Campestrini ressaltam que os acidentes de trânsito, além de representarem uma tragédia social, também geram forte impacto nas finanças do Estado, encarecendo os custos com saúde, bem como os gastos com Previdência nos casos de aposentadoria por invalidez.
“Pessoas em idade produtiva passam a depender da previdência. O discurso [de flexibilização das leis de trânsito] é muito tentador, mas o custo disso para a sociedade é muito alto”, afirma Campestrini.
O que se salva
Nem todas as propostas do projeto de lei de Bolsonaro são criticadas. Campestrini destaca, por exemplo, a regra mais clara para o Recall. Segundo as propostas, se o proprietário não tiver atendido ao chamamento da fábrica, não terá o licenciamento renovado para o ano seguinte.
Outras medidas em vigor bem vistas pelos especialistas consultados foram a obrigatoriedade do farol de rodagem diurna em rodovias e o uso de viseira de capacetes baixada para motociclistas.