UFPantanal na Câmara Federal

Indicação da Deputada Camila Jara, o projeto de criação da UFPantanal já se encontra na Câmara Federal. Pesquisadores de todo o Brasil e do exterior continuam a se somar na construção de um novo paradigma de universidade, inclusiva e inovadora.

Uma discreta notícia numa das mídias da capital dá conta da indicação na Câmara Federal do projeto de criação da Universidade Federal do Pantanal (UFPantanal) pela Deputada Camila Jara (PT-MS), semana retrasada. Fazendo jus à sua gênese protagonista, o decano da imprensa corumbaense, semanário Correio de Corumbá, desde o início vem dando a público os passos parcimoniosos, mas determinados na construção cidadã da UFPantanal.

Foto: Divulgação

Com a mesma discrição, a mobilização da sociedade civil e científica segue, sem alardes nem atropelos, as pegadas prudentes e firmes dos paladinos do saudoso Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá (ISPC), em 1967, anterior à criação da Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), que com desenvoltura e altivez marcou o pioneirismo da oferta de cursos universitários no coração do Pantanal e da América do Sul. O legado é inspirador, mas a concepção inovadora e inclusiva da UFPantanal requer protagonismo.

Como toda causa nobre, é a cidadania a construtora deste projeto de universidade feita para todas e todos, sem exclusão e sem privilégios. Fruto do legado pioneiro desta e outras universidades que trilharam, com anterioridade, caminhos da transformação e da inovação não só tecnológica e científica, mas humanista e cidadã. Porque a história, diferente das lendas e mitos, é fruto da prática, da experiência, da entrega. É assim como vem sendo construída a UFPantanal, coletiva e generosamente.

Por estarmos em pleno processo eleitoral na esfera municipal e no âmbito do Campus do Pantanal da UFMS, têm sido evitadas pirotecnias panfletárias e, sobretudo, o desgastante debate de obviedades, pretexto para a procrastinação da autonomia e gestão local. Tudo ao seu tempo será devidamente dialogado, pactuado e construído, de modo transparente e democrático. Diferentemente de experiências que não prosperaram pelo caráter excludente, burocrático e autoritário, hoje a cidadania, irmanada à sociedade científica, chama para si a responsabilidade de construir novos paradigmas de formação profissional de nível universitário, aliás, já em pleno desenvolvimento Brasil adentro.

Contexto local e regional

De um lado, o compasso de espera em que Corumbá se encontra nos últimos anos, em decorrência de tentativas frustradas de modelos de desenvolvimento já esgotados pelo, digamos, mercado. Na verdade, pelo próprio sistema capitalista, que há décadas recorre ao setor financeiro como principal agente propulsor da economia, em detrimento do setor produtivo rural e urbano, cujo processo de industrialização sofreu interrupção por um conjunto de fatores que não cabem discuti-los neste texto. O fato é que o indiscutível e extraordinário entreposto comercial continental representado por Corumbá e todo o seu potencial econômico têm sido relegados a enésimo plano na ordem econômica regional.

Por outro lado, as mudanças climáticas têm sacrificado não só a rica e diversa fauna e flora, em sua grande maioria ainda sem a devida catalogação e estudo pela ciência, como a população humana, seja originária, tradicional e temporária. Apesar da modernização, por conta dos recursos tecnológicos, da produção agropecuária e, ainda que tímida, da agricultura familiar, os efeitos devastadores das tragédias ambientais — como os incêndios avassaladores em extensas áreas do Pantanal e os flagelos como secas prolongadas e, em outras vezes, assoreamentos perversos — requerem estudos contínuos e arrojados, óbvia e logicamente, dentro do tempo requerido pela ciência moderna.

Mas estas pesquisas têm que ser, também, realizadas pelos pesquisadores dentro da região do Pantanal, sob pena de as instituições situadas na região perderem a razão de ser. Que a ciência não tem fronteiras, é óbvio, mas também é uma urgência que as instituições existentes no coração do Pantanal desenvolvam pesquisas contínuas, em parceria com as suas congêneres que já vêm desenvolvendo, isso é uma necessidade real e inadiável, até para a formação de pesquisadores locais. É uma das razões da criação da Universidade Federal do Pantanal, no legado das instituições antecessoras, como a UFMS e a UEMT, mas no contexto do século XXI, inovadora e inclusiva.

Investir na ciência, tecnologia e inovação no coração do Pantanal e da América do Sul é preparar, com excelência e qualificação, as próximas gerações. Quanto talento, quanto cérebro vem sendo ‘exportado’ pela falta de condições materiais para que se desenvolvam aqui, com igual nível, e possam retribuir à sua própria região todo o conhecimento desenvolvido. A evasão da juventude, das novas gerações, é prova eloquente desse triste e criminoso processo de ‘cegueira’ institucional que perdura há anos. Mais que aventuras em megaprojetos que representam desperdício sem qualquer retorno para a sociedade local, o investimento na formação qualificada de nossos cérebros, de nossa juventude, é uma urgência, uma questão de resgate e reparação humana.

Reconhecimento histórico

Consta do livro de memórias do ex-reitor João Pereira da Rosa, da UEMT e da UFMS, que em plena comemoração do centenário da Retomada de Corumbá, em 13 de junho de 1967, o à época governador Pedro Pedrossian, eleito pela oposição ao regime de 1964, saudou solenemente com o anúncio da criação da Faculdade de Pedagogia em agradecimento à população do bastião do trabalhismo, cujo eleitorado votara em 1965 massivamente nele e derrotara o candidato da situação, Lúdio Coelho.

Além do mais tarde — na verdade, cinco meses depois — denominado Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá, mediante decreto, como explicou o então deputado José Ferreira de Freitas, primeiro diretor da Escola Estadual Rural Alexandre de Castro (depois Cidade Dom Bosco), amigo pessoal do Padre Ernesto Saksida, Pedrossian anunciara outras obras para Corumbá: construção de nova adutora e nova estação de tratamento de água para a cidade; aquisição de nova termelétrica a diesel para o fornecimento de eletricidade, que até então somente funcionava até as 22 horas, e o início das obras da futura estrada de rodagem Transpantaneira, que atravessaria o Pantanal rumo à capital, Cuiabá.

O Professor José de Freitas, eleito para a Assembleia Legislativa pela situacionista Aliança Renovadora Nacional (Arena) com o decisivo apoio do criador da Cidade Dom Bosco em 1966, era o líder do governo Pedrossian e como representante governista da população (o outro deputado era o oposicionista Rômulo do Amaral, do MDB), principal beneficiada com a implantação do ensino universitário em Corumbá, coube a ele articular e viabilizar a faculdade reivindicada pelo médico e Professor Salomão Baruki, que antes de 1964 tinha sido vereador do PSD e presidente da Câmara Municipal.

A toque de caixa, mas observadas todas as exigências legais, a tramitação do projeto de criação dos cursos universitários em Corumbá foi possível graças à colaboração de pessoas generosas que emprestaram seus conhecimentos e sua reputação para a conformação de uma comissão organizadora, depois transformada em colegiado diretor do ISPC (Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá), tendo sido escolhido como primeiro diretor o médico e Professor Salomão Baruki, mais tarde vice-reitor, reitor interino e secretário de Estado de Educação no governo derradeiro de Mato Grosso uno.

Entraram para a história os nomes dos médicos Lécio Gomes de Souza (também general e historiador), Cleto Leite de Barros (responsável pela implantação do SAMDU — Serviço de Assistência Médica de Urgência — em Corumbá quando era ministro da Saúde Wilson Fadul, do presidente deposto João Goulart) e Salomão Baruki (médico radiologista, professor e fundador de uma série de entidades e órgãos de imprensa — entre eles o Museu Regional do Pantanal, ao lado do advogado e benfeitor Gabriel Vandoni de Barros, e o jornal vespertino Folha da Tarde, ao lado do Padre Ernesto Saksida e do advogado e pecuarista José Feliciano Baptista Neto), da Professora Edy Assis de Barros (licenciada e mestra em História, primeira diretora do Centro Educacional Julia Gonçalves Passarinho, inaugurado em 1971) e do engenheiro civil Pedro Luiz Ametlla (formado dez anos antes, em 1957, e empresário da construção civil e executor de projetos para a prefeitura e governo do estado), além dos suplentes, igualmente generosos e relevantes.

Em síntese, precisamos sair de nossa ‘zona de conforto’ e arregaçar as mangas em favor de um projeto generoso, próspero e perene, como é o de investir no ser humano, na formação humanista e ética, até para não correr o risco de entregar as próximas gerações aos espertalhões que se vangloriam por auferir milhões por vias tortuosas e nada éticas. Como os educadores que nos antecederam já o disseram inúmeras vezes, basta de deixar para depois, de procrastinar, o porvir de nossos jovens e o progresso pleno de nossa gente se tudo que temos a fazer é nos darmos as mãos e lutarmos por algo que, no mínimo, dá oportunidades, gera empregos qualificados e, sobretudo, fortalece os valores civilizatórios num tempo em que a ignorância e a desfaçatez são atributos preconizados pelos tiranos.

*Ahmad Schabib Hany

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